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Projeções para as eleições de 10 de março

© Dévora Cortinhal / BOM DIA

Conta-se que na noite de 30 de Janeiro de 2022 a sala do Hotel Altis onde a direcção do PS seguia os resultados eleitorais irrompeu em verdadeira festa quanda a fasquia dos 115 deputados foi ultrapassada. Foi um resultado verdadeiramente inesperado, mas porque aparentemente ninguém da direcção do partido lia na altura o BOM DIA. Num artigo de Novembro de 2021 tive a oportunidade de demonstrar que a maioria absoluta era mesmo um dos cenários indicados pelas sondagens. Com novas eleições antecipadas a poucas semanas de distância é altura de executar um exercício semelhante.

A metodologia é a mesma, projecta-se o crescimento ou diminuição que as sondagens indicam para cada partido nos resultados de cada círculo eleitoral com a regra de três-simples. Depois é só aplicar o método de d’Hondt para obter a distribuição de mandatos. É um processo rudimentar, mas que permite explorar as sondagens em detalhe.

A grande diferença para 2022 está mesmo nas sondagens. Há uma fonte a menos, a Pitagórica, que produziu resultados de grande qualidade em 2022, mas já não está activa. Quanto às outras quatro empresas de referência, já não estão alinhadas como há dois anos. Desde Junho de 2023 que o CESOP está a divergir das outras três instituições, Aximage, Intercampus e ISCTE. As projecções apresentadas neste artigo baseam-se essencialmente nas sondagens das três últimas, que mantêm um bom grau de coerência entre si (o CESOP é tratado como aquilo a que se chama uma anomalia em estatística). No entanto isto indica também uma incerteza substancialmente maior que há dois anos. Sem mais demoras, a figuras seguinte resume as projeções com base nas sondagens dos últimos dois meses.

PS

Desde que António Costa se demitiu o PS apareceu apenas em duas sondagens como segunda força mais votada (uma delas efectuada na semana da demissão). É o partido com maior probabilidade de vencer as eleições, se bem que por curta margem em muitas das sondagens. Em valores absolutos este resultado poderá ficar perto daquele obtido em 2015 e há boas probabilidades de suplantar o mau resultado de 2011. No entanto, um resultado abaixo dos 30% é possível, especialmente tendo em conta a margem de erro dos estudos de opinião.

É pouco provável que a jovem liderança do partido saia ameaçada deste acto eleitoral, mas muito dificilmente voltará o PS ao governo. Pelo menos no imediato das eleições. A geometria do hemiciclo será muito diferente da de 2015, com o esvaziamento do PCP e o crescimento do Chega.

De notar que o PS, apesar de um resultado pior que em 2022 ou 2010, se mantém como o partido com maior implantação geográfica no país, ficando em primeiro ou segundo lugar em todos os círculos eleitorais.

AD

A esta altura as prespectivas são efectivamente negativas para a Aliança Democrática. Desde o início de Dezembro a coligação aparece em primeiro lugar numa única sondagem que não realizada pelo CESOP. As intenções de voto na AD são exactamente a soma de PSD e CDS, sem qualquer dinâmica adicional emergente. Mais ainda, em nenhuma sondagem tem a AD mais que 27% dos votos, ou seja está 10% ou mais abaixo do resultado da PàF em 2016, e persistentemente abaixo do mau resultado de Rui Rio em 2019. As duas sondagens em que PSD ou AD surgem na frente devem-se estritamente a um enfraquecimento do PS. Para o PSD este poderá ser o pior resultado eleitoral desde 1976, ainda por cima em coligação.

A concretizar-se o cenário de derrota a liderança do PSD ficará em causa de imediato, e o partido deverá mergulhar em mais um processo de sucessão interna. Acredito que está no destino da liderança do PSD a chave do novo ciclo político. Só após a digestão interna de um resultado aquém das espectativas se poderão vislumbrar possíveis coligações de governo, ou uma acção concreta do Presidente da República.

Estas eleições confirmam uma tendência secular de definhamento do PSD. A última vez que o partido obteve mais de 40% dos votos foi em 2002 com Durão Barroso, e esta deverá ser a quarta eleição legislativa consecutiva com menos de 30%. Mas talvez mais preocupante é a lenta perca de representação geográfica. No cenário mais negativo a AD aparece apenas como terceira força na totalidade dos círculos eleitorais a sul do Tejo. Vitórias seguras só em Leiria, Aveiro, Viseu, a norte do Douro e fora da Europa.

Uma palavra ainda para o CDS. Os centristas preparavam-se para um resultado ainda pior que em 2022, num desligamento progressivo da sociedade. A AD é um verdadeiro coelho tirado da cartola, que deverá dar mais uma vez um grupo parlamentar ao CDS. Na ressaca eleitoral será talvez hora de pensar mais a fundo o futuro do partido, encontrado uma solução mais sustentável para a contribuição dos quadros do partido (cobiçados noutras siglas).

Chega

O partido Chega será sem surpresas a grande sensação destas eleições. Destinado a duplicar a votação que obteve em 2022, entrou numa ascenção meteórica depois da demissão de António Costa. Nas sondagens mais recentes o Chega aparece a rondar os 20% das intenções de voto, traduzindo-se tal num grupo parlamentar de 50 ou mais deputados. Para se pôr este resultado em perspectiva, em 50 anos de legislativas nunca o partido em terceiro lugar chegou a tais números. Nem O PRD nos anos 1980 nem a APU nos anos 1970 obtiveram mais que 18% dos votos.

O Chega tem sido até aqui um partido do sul do Tejo e dos emigrantes, ficando pelo menos em segundo em todos esses círculos eleitorais. Em Faro tem boas possibilidades de ganhar, e deverá disputar a vitória (mais à justa) em Santarém. A implantação a norte do Tejo é menos evidente, mas os ganhos são visíveis. Se os resultados mais excepcionais se confirmarem o partido poderá ainda disputar o segundo lugar em Castelo Branco e Lisboa.

O Chega é o partido do futuro em Portugal. Situado noutro qualquer quadrante ideológico faria certamente parte de um governo resultante destas eleições. Por ora permanece a dúvida se estará o país como um todo preparado para um grande partido à margem da matriz constitucional de 1976. O papel do Chega no próximo ciclo legislativo deverá prender-se sobretudo com o que se passar no interior do PSD nas semanas e meses seguintes às eleições.

BE

Chegando aos partidos com intenções de voto abaixo de 10% a incerteza torna-se muito significativa, com a margem de erro a ser maior que os resultados de alguns deles. É pois necessária alguma cautela nas projecções de partidos como o Bloco de Esquerda. Tudo indica será uma eleição positiva para o partido, com a recuperação quase total dos votos que o partido perdeu em 2022. Mais de 10 mandatos é provável, e 15 uma possibilidade.

O Bloco pode ter ainda um papel importante nestas eleições, a confirmarem-se os resultados mais favoráveis. Nessa circunstância, o Bloco ficará relativamente próximo do Chega em alguns centros urbanos, limitando significativamente os mandatos obtidos por este último. Com a incerteza involvida não é no entanto avisado especular muito mais neste capítulo.

Tirando Vila Real, Viseu e os círculos dos emigrantes, o BE até apresenta uma implantação algo homogénea no território. A progressiva despovoação do interior dita que tal implatação só se reflicta em mandatos nos centros urbanos. Ainda assim, o definhamento do seu rival ideológico mais próximo (ver abaixo) não se traduziu até ao momento em qualquer ganho para o BE. Serão os 9% de intenções de voto tudo a que este partido pode almejar? Ou poderá re-equacionar as suas ambições de influenciar os destinos do país?

IL

Nos meses que se seguiram à eleição de 2022 a Iniciativa Liberal apareceu em sondagens sucessivas com 10% das intenções de voto. Com altos e baixos (e muita incerteza) uma tendência de queda instalou-se na segunda metade desse ano. E logo após a eleição de Rui Rocha como líder números próximos do resultado de 2022 passaram a ser frequentes. As intenções de voto na IL até podem subir relativamente a 2022, mas com a possível queda para quinta força mais votada, e a muita distância que a separa do Chega, vão dificultar a re-eleição de 8 mandatos.

A IL foi até aqui essencialmente um partido de Lisboa. Será importante perceber se pode expandir a sua implantação territorial, em especial capitalizando os bons resultados que obteve na costa urbana: Porto, Leiria e Setúbal.

CDU

O PCP vive um processo de desligamento da sociedade portuguesa muito semelhante ao que viveu o CDS, apenas a ritmo mais lento. As sondagens são quase unânimes num valor em torno de 3% das intenções de voto. Um resultado historicamente negativo, garantindo mais uma redução do grupo parlamentar. Um novo líder não parece ter influenciado de alguma forma o definhamento secular instalado. O resultado pode ser ainda mais grave se a coligação ficar atrás do PAN ou do Livre. Um grupo parlamentar de apenas dois deputados é uma possibilidade.

O declínio da CDU é muito visível na perca de alcance territorial. A eleição de representates em Lisboa e Porto é quase garantida, mas fora esses círculos só mesmo Setúbal parece forável. A CDU deverá ser a quarta força mais votada em Beja e Évora, antigos bastiões das coligações lideradas pelo PCP.

PAN

Este será o partido que as sondagens têm mais dificuldade em caratectizar, com projecções díspares, entre os resultados obtidos em 2019 e 2022. Ainda assim há uma tendência importante: desde o início de Dezembro apenas uma sondagem atribúi menos de dois deputados ao PAN. A constituição de um novo grupo parlamentar é pois uma perspectiva realista. Mas um resultado superior ao de 2019 é pouco provável.

O PAN sobressai por ser um partido de emigrantes, obtendo nesses círculos múltiplos das intenções de voto que alcança no território nacional. A sua implantação geográfica é hoje bastante homogénea, com votações de pelo menos 1% mesmo nos círculos mais desfavoráveis. Mas tais intenções de voto só garantem representates em Lisboa e Porto. Apesar de presença assídua no espaço mediático, o PAN parece ter atingido um tecto no eleitorado.

Livre

Pode não parecer, mas o Livre celebra por estes dias uma década de existência. Nesse tempo elegeu apenas dois deputados, em duas eleições diferentes. Normalmente este é um padrão de partidos efémeros, mas o Livre parace desta feita estar numa trajectória de crescimento. As sondagens mais favoráveis indicam uma duplicação das intenções de voto com a formação do primeiro grupo parlamentar. Mas se ficar como oitava força mais votada, essa conquista não será fácil.

Tal como a IL, o Livre é um partido de Lisboa, onde deverá eleger todos os representantes. Fora esse círculo, Porto e Setúbal também podem estar em jogo, no primeiro em disputa com o PCP e no segundo com a IL. O Livre deverá ficar à frente da CDU em Lisboa, e algumas sondagens dão mesmo empate entre estes dois partidos a nível nacional. Um resultado do Livre superior ao da CDU seria mais um sinal da transformação em curso do espectro político português.

O dia seguinte

As recentes eleições na região autónoma dos Açores dão o mote sobre o que sucederá caso a AD seja a força mais votada na noite de 10 de Março. Um governo minoritário será proposto pela AD (possivelmente com a adição da IL) colocando pressão simultânea no Chega e no PS. Este será o cenário mais benévolo, no entanto também o menos provável.

Mais provável parece ser um cenário de indefinição no rescaldo das eleições. No seu conjunto a Direita terá a maioria dos mandatos (resultado comum a todas as sondagens sem excepção, incluíndo as do CESOP). Mas em face a um enfranquecimento significativo do PSD e seus aliados. Mantendo os seus compromissos, Luís Montenegro não formará governo nestas circunstâncias, devendo ficar sujeito a grande pressão de dentro do partido. Ou para se demitir, ou aceitar governar com o Chega. Poderão ser dias de grande dramatismo, em que os destinos do PSD serão os destinos do país. O Presidente da República adquirirá um protagonismo incomum, considerando expedientes que há muito não são utilizados.

Belgíca, Países Baixos e Espanha são democracias europeias que viveram na última década longos períodos de indefinição governativa, quer com negociações intermináveis, quer com sucessivas eleições inconclusivas. Portugal pode muito bem estar às portas de algo semelhante.

Luís Moreira de Sousa

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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