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Legislativas 2022: fica tudo na mesma?

Crise, ingovernabilidade, pântano, berbicacho, muitos são os vocábulos usados para descrever a situação política actual consequente à inédita reprovação de um Orçamento do Estado pela Assembleia da República. Novas sondagens publicadas desde então não parecem trazer novidades em relação aos estudos de opinião de meses precedentes. Mesmo comparando com as legislativas de 2019 os números não são muito diferentes.

Há no entanto duas tendencias estruturais que estão silenciosamente a modificar a configuração do Parlamento. À esquerda a consolidação do voto no PS, à direita a dispersão. Acontece que o método de d’Hondt em grande medida beneficia a consolidação em detrimento da dispersão. Esta é precisamente uma das funções deste método: facilitar a estabilidade representativa.

Fazer as contas

Vale a pena conduzir um pequeno exercício de simulação de resultados para compreender o impacto destas tendências opostas. Em primeiro lugar é necessário encontrar valores de intenção de voto indicativos para cada círculo eleitoral. Tal pode ser obtido aplicando a regra de “três simples” aos resultados de 2019 face às sondagens actuais. Ou seja, se a sondagem projecta uma subida numa certa proporção para um partido, assume-se uma subida de igual medida em cada um dos círculos eleitorais. Com essas estimativas pode-se então aplicar o método de d’Hondt para obter uma projecção de deputados eleitos em círculo eleitoral.

Há dois aspectos a considerar na interpretação destas projecções. Em primeiro lugar este exercício assume uma dinâmica eleitoral igual em todos os círculos eleitorais, o que dificilmente será o caso. Certos círculos eleitorais são mais estáveis que outros, mas tais considerações não entram nesta projecção. Depois há que considerar a grande variabilidade entre sondagens na intenção de voto nos partidos médios. BE, Chega, CDU e IL aparecem com valores muito díspares, apontando dificuldades em identificar as reais intenções de voto nos estudos de opinião.

A figura seguinte representa as balizas identificadas aplicando o método descrito acima a três sondagens recentes: Aximage e Universidade Católica de dia 5 e ISCTE publicada ontem.

A distribuição de deputados não deve mudar em vários círculos eleitorais, especialmente os mais pequenos. Estarão entre estes: Açores, Beja, Castelo Branco, Coimbra, Guarda, Madeira, Viana do Castelo e Europa. Vale a pena olhar mais em pormenor para os restantes.

Aveiro

Um dos círculos mais populosos que não deverá ter muitas alterações. O PS elegerá pelo menos sete deputados, tal como em 2019, podendo no melhor cenário chegar aos oito. O PSD não baixa, mas pode retirar um deputado ao BE, que nesse caso ficará apenas com um. O Chega poderá eleger um deputado, que transita do CDS. Em nenhum dos cenários conseguem os centristas eleger deputados por Aveiro.

20192022
PS77 a 8
PSD66 a 7
BE21 a 2
CDS10
Ch00 a 1

Braga

Nota-se claramente em Braga o efeito da dispersão de votos à direita. Em todos os cenários o PS aumenta, para nove, ou mesmo dez, deputados. A situação é incerta para o PSD, aparecendo tanto a perder como a ganhar um deputado, tudo dependendo da diferença para o PS. O Bloco pode perder um dos dois deputados que elegeu em 2019, nesse caso para o PSD. O CDS também desaparece em Braga, com o deputado que elegeu em 2019 a poder passar para o Chega.

20192022
PS89 a 10
PSD87 a 9
BE21 a 2
CDS10
Ch00 a 1

Bragança

É possível que o PS venha a arrebatar aqui um deputado ao PSD. A votação nos outros partidos pode ser determinante.

20192022
PS11 a 2
PSD21 a 2

Évora

Não sendo este um círculo eleitoral onde se esperem grandes mudanças, pode no entanto gerar uma das surpresas da noite eleitoral: o desaparecimento da CDU na sua geografia tradicional. O PSD está muito perto, e com o enfraquecimento da CDU vaticinado pelas sondagens pode muito bem eleger um deputado.

20192022
PS22
PSD00 a 1
CDU10 a 1

Faro

Este foi um dos círculos eleitorais onde o Chega teve uma votação mais expressiva em 2019, o que se deve traduzir na eleição de pelo menos um deputado em 2022. A perder ficarão em princípio PSD e BE.

20192022
PS5 4 a 5
PSD3 2 a 3
BE10 a 1
Ch01 a 2

Leiria

Mais um dos círculos eleitorais onde o Chega deverá obter um deputado. Resta saber se à custa de PSD ou BE. O PS tem hipóteses de passar a partido mais votado e desse modo subtrair um deputado ao PSD.

20192022
PS44 a 5
PSD54 a 5
BE10 a 1
Ch00 a 1

Lisboa

A capital é em grande medida um espelho das votações globais do país. O PS deverá aumentar ligeiramente o seu número de deputados, principalmente às custas do PSD. Entre os partidos médios a incerteza não permite grandes comentários, será provavelmente em Lisboa que se decide quem será a terceira força no Parlamento: se BE ou Chega. Lisboa é o único círculo eleitoral onde CDS parece ter hipótese de eleger um deputado.

20192022
PS2020 a 21
PSD1210 a 12
BE52 a 4
CDU42 a 3
CDS20 a 1
PAN21 a 2
Ch13 a 8
IL12 a 4

Porto

Entre os círculos eleitorais mais populosos, o Porto foi daqueles em que o PSD teve votações mais expressivas, portanto é também onde pode perder mais. Os beneficiários serão sobretudo PS e Chega. PAN e IL podem também ser felizes no Porto, ao passo que para o CDS a eleição parece estar fora de alcance.

O Chega obteve em 2019 uma votação irrisória no Porto, pelo que o método de “três simples” usado neste exercício lhe pode ser particularmente penalizador. Apesar de não aparecer nos números, um cenário com o Chega em terceiro lugar no Porto é perfeitamente possível.

20192022
PS1717 a 19
PSD1512 a 15
BE42 a 4
CDU21 a 2
CDS10
PAN10 a 1
Ch01 a 3
IL01 a 2

Santarém

Outro círculo eleitoral de média dimensão onde o Chega pode eleger um deputado. Pelo seu lado o PS estará próximo dos 40%, passando de quatro para cinco deputados. Com o Chega em terceiro lugar e um PSD a resistir, é possível que nem BE nem CDU elejam deputados em Santarém.

20192022
PS44 a 5
PSD32 a 3
BE10 a 1
CDU10
Ch01 a 2

Setúbal

A grande novidade em Setúbal é o Chega, que poderá eleger até três deputados. Os mais penalizados deverão ser BE e PSD, mas a CDU também não está a salvo. O PAN não consegue reeleger o seu deputado em qualquer cenário. PS mantém-se impassivo.

20192022
PS99
PSD32 a 3
BE21 a 2
CDU32 a 3
PAN1 0
Ch01 a 3

Vila Real

Este é outro dos círculos eleitorais onde PS e PSD estão próximos o suficiente para se dar uma inversão do resultado de 2019. Um perca de votos do PSD para a sua direita aliada a uma consolidação do PS colocam facilmente este último na liderança.

20192022
PS22 a 3
PSD32 a 3

Fora da Europa

Em 2019 a abstenção neste círculo eleitoral foi de 92%, e de entre os votos submetidos 18% foram dados como inválidos. Isto significa que o PS elegeu um deputado com apenas dez mil votos. Um aumento significativo de votos no PSD ou nos partidos mais pequenos pode facilmente sonegar este deputado ao PS.

Considerações finais

O PS está claramente à beira da maioria absoluta. Não sendo esse o cenário mais provável, com o PS acima de 39% o método de d’Hondt deixa a porta aberta a essa possibilidade. Sem maioria absoluta o PS fica com um largo leque de opções para alicerçar um governo. Uma aliança com o PAN pode vir a ser o suficiente.

O Chega é a grande novidade, em muito contribuindo para o enfraquecimento do PSD e a hegemonia do PS. O cenário poderia ser ainda pior para o PSD caso não estivesse o CDS de saída do Parlamento. Com mais um partido a disputar deputados na sexta ou sétima ronda do método d’Hondt menos espaço ficaria para o PSD.

Faltam ainda dois meses e meio para as eleições. Muita água há-de correr até lá, inclusive uma eleição interna no PSD. Este pequeno exercício tenta ser apenas um retrato das intenções de voto no imediato à rejeição do Orçamento.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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