Wokismo desvirtuoso e porque o bom ensino não pode ser woke
O termo “woke” tem origem na cultura afro-americana, nos movimentos de ativismo social e cultural, e foi popularizado na década de 1960 com o movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos.
Originalmente, “woke” tem as suas raízes em iniciativas legítimas para promover a igualdade e a justiça para grupos marginalizados.No entanto, o termo “wokismo” como é entendido atualmente, graças aos algoritmos das redes sociais, conhecido também como “cultura do cancelamento” ou “excessivamente politicamente correto”, refere-se a uma abordagem de sensibilidade excessiva, frágil, de juízo e controlo vigilante em relação ao mundo e aos outros, sobre questões de justiça social, diversidade e inclusão, com julgamento deslocado sobre o mundo que foi em relação ao que é, assim como desviado do que deveria ser, em função do que é.
As manifestações actuais do wokismo estão a ofuscar completamente as suas raízes, trazendo exageros e extremos controversos e graves, da a sua propensão para o “excesso de zelo” em relação à linguagem e comportamentos, muitas vezes resultando no bloqueio da liberdade de expressão e anulação individual, onde as pessoas têm receio de expressar opiniões divergentes por medo de represálias ou de serem rotuladas de insensíveis ou preconceituosas. Esta realidade cria o paradoxo da tolerância que faz lembrar o filósofo Karl Popper, com um clima de intolerância ao debate e à diversidade de pensamento, o que é paradoxal, considerando que o wokismo busca promover a inclusão e a diversidade.
Além disso, o wokismo tem dado origem a uma espécie de competitividade moral, onde estas pessoas, por falta de informação suficiente, têm uma superioridade intelectual e moral ilusória (sinalização virtuosa), considerando-se “progressistas” ou “inclusivas” em relação a determinados temas, criando atmosferas de hostilidade e divisão, onde as pessoas são incentivadas a se engajarem numa espécie de virtuosismo público. Esses excessos têm contribuído para a percepção de que o wokismo acaba por ser tóxico para a sociedade, ao invés de promover um diálogo saudável e construtivo sobre questões importantes para fazer evoluir a comunicação e argumentação que faz evoluir as crenças que nos une numa civilização.
Neste sentido, o bom ensino não pode nunca ser woke. As escolas e principalmente as universidades têm obrigação de ser locais de estimulação do pensamento socrático e nunca doutrinário.
Se a ciência ficar refém da ideologia ou política, não é ensino, mas doutrina ideológica ou política que só fragiliza os estudantes e os jovens que vão, supostamente, continuar a levar o mundo para a frente. É preciso saber receber informação, pensar sobre ela, articulá-la. Só com capacidade de pensamento lógico e crítico é que a informação se transforma em conhecimento, para que este, através da comunicação e argumentação interpessoal, desenvolva a sabedoria que nos faz evoluir a todos para um mundo melhor.
Como psicólogo clínico e professor universitário, tenho obrigação de estimular, junto dos meus alunos, o pensamento crítico, o debate, o brainstorming, para que eles se tornem autónomos, independentes, com cabeça própria, e depois mentores, como tive a sorte de ter os meus, a fazer o mesmo por mim.
É preciso saber aumentar e contra-argumentar ideias e discurso livre para podermos ser iguais a nós próprios.
Quando se anulam pessoas, na sua individualidade e se generaliza a grupos, perdemos comunicação e individualidade. E quem não tem voz própria, será sempre mais frágil e vulnerável no meio que o rodeia.
Ser woke, apesar do intuito inicial ser de aumentar a consciência para melhorar a vida, graças às redes sociais digitais, tornou-se num movimento radical, simplista, comparativo e destrutivo, pois tudo o que simplifica a complexidade da construção civilizacional, numa narrativa de certo ou errado, revela sempre falta de consciência e imaturidade de análise do quão difícil já foi chegarmos à sorte do que já temos hoje, tendo em conta o mamífero humano que somos.
A consciência existe para nos ajudar a melhorar. Não para alimentar o niilismo ou anarquia que destrói a memória de como chegamos até aqui.
Quem esquece o que foi, repete o que é, ao longo da história.
Celebre-se o pensamento livre e o ensino socrático.
Ivandro Soares Monteiro
Psicólogo Clínico & das Organizações doutorado | Professor Universitário @ICBAS
Fundador & CEO da EME & Academia de Psicoterapia Interpessoal | Behavioural Consultant CROWE PT |
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