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Com a dissolução da Assembleia da República e conhecidos os resultados das eleições de 10 de março, abre-se um novo ciclo, que não sabemos como vai evoluir. Os mesmos comentadores que desfaziam de manhã à noite o Governo do PS, agora fazem o enquadramento simpático das perspetivas do novo governo da AD, numa onda de otimismo mágico, como o que revelou o vice-presidente do PSD, Miguel Pinto Luz, que disse numa entrevista que achava haver condições para cumprir os quatro anos da legislatura, mesmo que o Parlamento esteja completamente fragmentado e a minoria que suporta o Governo seja muito frágil. 

Só mesmo uma vontade de governar a qualquer preço é capaz de um tamanho otimismo. Então se um governo apoiado por uma maioria absoluta sólida não durou dois anos, como é que pode durar uma legislatura um governo cujo apoio está entalado entre os extremistas do Chega obcecados em chegar ao poder custe o que custar e uma esquerda que não sente qualquer obrigação de garantir uma estabilidade que não teve? A pergunta fica no ar.

Quem certamente terá a resposta é o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que tem sempre uma grande capacidade de antecipar jogadas, como o mais exímio jogador de xadrez. O mesmo Presidente que no dia em que aceitou a demissão de António Costa e mandou dissolver o Parlamento teve a ideia bizarra de levar à noite a sua Ajudante de Campo para lhe mostrar o Beco dos Távoras, enquanto ia no caminho a explicar aos jornalistas que o seguiam a conhecida história do “Azar dos Távoras”, sendo que aqui é o PS a personificação dos que caíram em desgraça. Portanto, Marcelo Rebelo de Sousa não quis que ficassem dúvidas que o derrube do Governo também foi vontade sua.

Olhando para o tabuleiro do xadrez político, certamente que o senhor Presidente antecipou tudo o que ia acontecer, acertando na possibilidade da AD ganhar, mas falhando em antever o crescimento dos extremistas do Chega, que agora são uma ameaça séria para a democracia e os direitos humanos, logo quando celebramos os 50 anos do 25 de abril. E assim se abriu a caixa de Pandora e os demónios que já andavam à solta, agora querem tomar conta do sistema.

Da última vez que, em 2022, dissolveu o Parlamento devido ao chumbo do Orçamento de Estado pela esquerda, direita e extrema-direita, os grupos parlamentares à esquerda do PS perderam metade dos deputados e o Chega ganhou uma dúzia, soltando o pior que os populismos têm, com uma demagogia descarada prometendo tudo a todos e com os habituais discursos contra os estrangeiros, cujas consequências na sua rejeição são cada vez mais visíveis na sociedade portuguesa. E o risco agora é que a extrema-direita vá continuando a alimentar-se das crises, tornando um pesadelo a vida política em Portugal.

Vivemos tempos muito preocupantes, de grande instabilidade e toxicidade. Os espíritos mais reacionários agora sentem-se protegidos, como vimos na manifestação de neonazis no Intendente que, sendo proibida, não teve qualquer sanção. Do lado da Justiça, os procuradores têm mandado na vida política, desfazendo políticos na praça pública, que algum tempo mais tarde são ilibados. Do lado do Presidente da República, é lamentável que tenha deixado de ser um garante da estabilidade para se mover por outras razões, seja por egocentrismo, por devoção partidária ou por espírito de vingança. E é uma vergonha que agora, com a presença em força do Chega, os reacionários do país e os que se deixam arrastar pelas ilusões e pelas desilusões engrossem um partido que cresce com base na mais descarada mentira, demagogia, populismo, nacionalismo, manipulação, que tem destruído o nosso amor próprio. E nesta convergência de fatores negativos medra a instabilidade, bloqueia-se o país e arruína-se a nossa imagem e reputação internacional. O Presidente da República tinha mesmo de ser o garante do bom senso e da estabilidade política. Infelizmente, Marcelo Rebelo de Sousa falhou. Completamente.

Paulo Pisco

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