Potencial arqueológico dava para meio século de escavações em Leiria
O Abrigo do Lagar Velho, no Vale do Lapedo, em Santa Eufémia, Leiria, onde foi encontrada a “Criança do Lapedo”, tem potencial para mais 50 anos de pesquisas, defendeu a arqueóloga Ana Cristina Araújo.
Na noite de terça-feira, dia em que se assinalaram 25 anos sobre a revelação do esqueleto, foram apresentadas à população de Santa Eufémia as mais recentes descobertas. Na sessão, a arqueóloga que integra a equipa de investigação da Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) para o Abrigo do Lagar Velho, realçou o potencial do sítio arqueológico.
“Estamos numa região riquíssima”, sendo que “o mais provável é haver mais ocupação arqueológica”, pelo espaço existente e sedimentos identificados.
“Há potencial para novas ocupações que ainda não foram identificadas no sítio”, disse.
Ana Maria Costa, outra das arqueólogas da equipa, acrescentou que essas ocupações “podem ser até mais antigas” do que a datação de 29 mil anos da “Criança do Lapedo”, “se estiverem mais abaixo”.
A descoberta, que passou a ter a designação “Criança do Lapedo” por se desconhecer o seu género (anteriormente era “Menino do Lapedo), é um esqueleto com cerca de 29 mil anos, encontrado a 28 de novembro de 1998, no Abrigo do Lagar Velho, a 10 quilómetros de Leiria.
O achado marcou a paleoantropologia internacional, por se tratar do primeiro enterramento Paleolítico escavado na Península Ibérica e porque a criança apresenta traços de ‘neandertal’ e de ‘homo sapiens’.
Ana Cristina Araújo recuperou em Santa Eufémia as opiniões difundidas há duas décadas pelo paleoantropólogo espanhol Juan Luis Arsuaga e por João Zilhão, arqueólogo que liderou a equipa de escavou a “Criança do Lapedo”.
“O [Juan Luis] Arsuaga e o João Zilhão disseram que havia 50 anos [de potencial para estudo no Abrigo do Lagar Velho], há 20 anos. Eu diria que, hoje, também há para mais 50 anos. E já passaram 20 anos”.
A arqueóloga reconheceu, contudo, dificuldades.
“Temos um vale riquíssimo em abrigos. Mas o tempo que demorámos só para escavar no Lagar Velho 30 centímetros [em 5 anos], com as análises todas e ainda o que falta estudar mais. É preciso realmente muita paciência e que os políticos acreditem em nós”.
Apesar de o Lagar Velho ter “muita coisa por escavar”, há “muita vontade de passar para o vale [do Lapedo]”.
“Agora nós é que nos questionamos: temos perguntas que justificam escavar mais ou queremos investir noutro sítio? É algo que temos de discutir de forma muito séria”, admitiu Ana Cristina Araújo.
Relativamente às novidades, a arqueóloga municipal Vânia Carvalho destacou dados que comprovam que a sepultura da “Criança do Lapedo” “não é algo que acontece isoladamente há 29 mil anos”, mas sim “no curso de uma vida normal e quotidiana, de idas ao vale, por nómadas”.
Por outro lado, há grande expectativa pelo que ainda está por descobrir.
“Há uma reentrância muito mais extensa para dentro do nível atualmente escavado. Sabemos que há mais contextos arqueológicos para baixo, não é estéril. Mas há também grande possibilidade de haver para dentro [da reentrância]”.
Da parte do município de Leiria, a vice-presidente, Anabela Graça, confirmou em Santa Eufémia que está em fase de conclusão a aquisição de cerca de cinco hectares no Vale do Lapedo, para investir na preservação e promoção do sítio os 900 mil euros previstos para o Abrigo do Lagar Velho no Programa de Recuperação e Resiliência (PRR) para a Cultura.
Anabela Graça prometeu ainda que a autarquia vai manter investigação no sítio arqueológico.
“É nossa obrigação continuar a apoiar este projeto”, concluiu.