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O cinismo no discurso de posse de Luís Montenegro

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No discurso de tomada de posse como primeiro-ministro, Luís Montenegro falou de humildade e de diálogo, mas na realidade não fez a demonstração de uma coisa nem da outra. Se assim fosse, não teria dito: “Vamos estar concentrados em cumprir o nosso programa”. Teria dito antes que estaria disponível para aceitar propostas de outros partidos, o que não fez.

A humildade e o diálogo inscrevem-se, assim, nas referências vazias de significado, tal como as duas únicas vezes que se refere ao 25 de Abril, que faz de forma desajustada e como se fosse uma peça decorativa por este ano celebrarmos os 50 anos da Revolução dos Cravos, quiçá apenas para agradar à esquerda. Como aliás, parece querer agradar à extrema-direita quando se refere à imigração e à identidade nacional.

Pode mesmo dizer-se que o discurso de Montenegro tem tanto de violência como de superficialidade, porque, por um lado, tenta amarrar à bruta os partidos a um compromisso para durar a legislatura completa, sobretudo o PS, mas, por outro lado, fala de tudo sem se comprometer com nada nem com ninguém, bem pelo contrário. Não se vislumbrou, muito longe disso, como fará as reformas que referiu, nem a implementação da generalidade das políticas e mesmo a anunciada descida de impostos é melhor esperar para ver. Referiu-se aos jovens e à emigração de maneira demasiado fácil e exagerou, falseando, a dimensão da pobreza. Também se notou o silêncio relativamente ao drama humano e humanitário e de violação do direito internacional que se vive em Gaza e na Cisjordânia.

Neste sentido, é um discurso que demonstra pouca elegância política e nenhuma humildade, como se quisesse um cheque em branco. Nem sequer espera, como disse, que haja uma “adesão ao seu programa”. Mas percebe-se o piscar de olhos ao setor privado, ao mesmo tempo que baixa as expetativas quando faz o ataque ao excedente orçamental deixado pelo Governo do PS, como se fosse uma coisa má. Ou seja, com uma só penada procura destruir aquilo que é uma boa governação económica e financeira, ao mesmo tempo que arrefece os ânimos daqueles que pensam que agora é que vão ser resolvidos todos os problemas de carreiras profissionais e melhoria dos serviços públicos. Pelos vistos, uma coisa foi aquilo que prometeu em campanha e outra o que agora pretende fazer.

Para quem precisa desesperadamente de apoio parlamentar, o discurso não podia ser mais desajeitado e sobranceiro, como se considerasse que os partidos estão obrigados a garantir as condições para governar. É claro que o país precisa de estabilidade, mas fazê-lo com recurso à chantagem não parece ser a melhor estratégia Montenegro esquece, talvez, que vivemos em democracia, com um pluripartidarismo que significa diferentes visões da organização da vida sociedade e que o povo não lhe deu uma confiança absoluta para governar. Na realidade, foi tanta como a que deu ao PS.

O primeiro-ministro opta assim por uma estratégia sobranceira, com o objetivo de colocar no PS o ónus da responsabilidade caso haja uma crise política, na esperança de capitalizar a vitimização se o seu Governo vier a ser derrubado, mesmo que isso possa significar mais uma nova subida do Chega.

Portanto, o grande paradoxo do discurso de Montenegro é que, ao mesmo tempo que proclama que o Governo é para durar a legislatura, deixa implícito que ele possa ser de curta duração. Mesmo sabendo que a realização de novas eleições são um grande descrédito para a nossa democracia, porque o país não pode viver em permanente instabilidade, com legislaturas sempre a serem interrompidas, ciclo iniciado pelo senhor Presidente da República ao dissolver um Parlamento com maioria absoluta.

E assim, para além da falta de humildade e da chantagem, este tipo de contexto remete-nos também para um exercício de puro cinismo de Luís Montenegro, como se a necessidade de estabilidade de que o país, as pessoas e as empresas precisam e querem fosse um mero detalhe.

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