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Política à medida

2017 é ano de eleições legislativas em vários dos estados membros com maior peso económico na UE. Em primeiro lugar virá a Holanda, com o sufrágio marcada para dia 15 de Março.

As sondagens vão dando o PVV de Geert Wilders (na foto) à frente, com vinte e muitos por cento dos votos, quase o dobro do resultado recorde que o partido obteve em 2010. Perante estas projeções, os media estrangeiros focam-se exclusivamente em Wilders, o candidato que facilmente produz títulos sensacionais com a sua retórica de extrema direita.

Se a ascensão do partido de Wilders é considerável, mais importante é  aquilo que se passa com os outros partidos. A confirmarem-se as sondagens, nada menos que sete partidos terão acima de dez porcento dos votos; pelo menos mais três elegerão deputados. Neste quadro, uma solução governativa sem o PVV requererá uma coligação de cinco ou seis partidos. Os partidos tradicionais, os democratas-cristãos do CDA e os trabalhistas do PvdA, estão reduzidos a um terço do que eram há apenas dez anos.

Esta é uma tendência que se espalha por toda a Europa e que importa compreender em toda a sua dimensão. As democracias europeias estão a entrar numa nova era, que vai muito para além da re-emergência da extrema direita. Para o fazer recorro a um paralelo com o mundo da música.

Recordo-me de um Natal em criança em que tocava na rádio a música “Ternura dos 40”. O meu pai aproximava-se dessa idade e a minha mãe decidiu oferecer-lhe o disco. Muito procurou, pediu a amigos para procurarem, mas esse Natal acabaria por passar sem que o 45 rotações encontrasse o caminho para debaixo da árvore de Natal. Mero infortúnio talvez, ou pela produção reduzida ou por dificuldades de distribuição, o single estava esgotado.

Uma história destas é hoje impossível. A música desmaterializou-se, os músicos gravam o seu trabalho practicamente em casa, que depois distribuem pela internet, muitas vezes de graça. A interação com os ouvintes é agora quase directa, dispensado todos os intermediários de outrora.

Sem os filtros das produtoras, das rádios e televisões, o universo musical explodiu em inúmeros géneros musicais e uma infinidade de músicos em actividade. Fazer música tornou-se numa arte altamente especializada, à medida exacta do ouvinte. O leitor conhecerá por ventura o músico Edgaras Žakevičius? É natural que não saiba quem é o génio por detrás do projecto Stellardrone, o que mais ouvi em 2016. Reciprocamente, será pouco provável que eu conheça algum dos músicos na sua lista das mais escutadas. Nem mesmo esse ou essa artista em que está a pensar, que tem exposição mediática. Hoje já não preciso de me sentar sábado à tarde em frente à televisão à espera do TopDisco para conhecer as novidades; a maioria dos artistas mediáticos actuais são-me desconhecidos.

Esta incursão pelo mundo da música serve para ilustrar o processo que está a transformar as democracias europeias. Os políticos estão hoje em contacto directo com os eleitores através da internet. Os media deixaram de ser necessários para aproximar uns os outros. Criar um partido de sucesso é agora muito mais simples, basta encontrar um conjunto de ideais comuns a uma faixa suficientemente larga da população, dois ou três porcento será suficiente. E este número crescente de partidos torna cada vez mais complicados o trabalho dos media, que não conseguem encaixar tal pluralidade nos moldes tradicionais da reportagem e debate político.

Em Portugal vivemos esta transição em câmara lenta. Nas eleições de 1995 foram eleitos deputados de apenas cinco partidos (dois dos quais coligados na mesma lista). Em 2015 sete partidos conseguiram representação parlamentar, com os novos partidos a adquirirem muito mais poder e visibilidade (mesmo o PEV). A famosa “geringonça” é um dos resultados. E o que dizer de Espanha, onde o Parlamento se estilhaçou espectacularmente em nove partidos representados? Ciudadanos e Podemos obtiveram um terço dos votos, quando em 2011, no últimos ciclo eleitoral, nem sequer existiam.

É um quadro semelhante que se desenha para as eleições presidenciais francesas em Abril. Neste momento as sondagens projectam nada menos que cinco candidatos com mais de dez por cento dos votos à primeira volta. Tal como na Holanda, os media preferem destacar a extraordinária subida da extrema direita com Marine Le Pen no comando. Mas mais espectacular é a emergência de um partido liberal, o En Marche, liderado pelo “jovem” Emanuel Macron, que em apenas nove meses de vida conseguiu ultrapassar quer conservadores quer socialistas.

Em Setembro será a vez da Alemanha ir a eleições. Mesmo com um limite mínimo legal de cinco porcento dos votos, serão provavelmente seis os partidos a obter representação parlamentar. É naturalmente de assinalar os cerca de dez porcento dos votos que a extrema direita conseguirá na Alemanha, mas a verdadeira questão será a formação de uma aliança parlamentar viável para suportar um governo. Uma “geringonça” germânica não é do todo impensável.

O ressurgimento da extrema direita em muitas democracias europeias é naturalmente preocupante, mas é acima de tudo o resultado deste processo de estilhaço da política. Eleitores que outrora votavam em partidos conservadores por falta de alternativa, encontram agora com facilidade partidos que vão directamente ao encontro dos seus anseios.

Os longos anos de austeridade, a precariedade laboral, os atentados terroristas, a implosão de países vizinhos e a consequente vaga de refugiados, todos são ingredientes no crescimento da extrema direita. São por natureza factores transitórios, que esperemos se esbaterão antes que possam levar a Europa a de novo contemplar o abismo. O próprio processo de ultra-pluralismo torna muito mais difícil que um só partido ganhe poder suficiente para reverter o processo democrático (seja a Hungria a excepção que confirma a regra).

Mas ficará o retraçado dos partidos políticos. Tal como a indústria da música não voltará aos tempos restritos do vinil, também a política não voltara ao binómio democratas-cristãos versus sociais-democratas.

E onde nos leva este processo? Não é impossível que termine na extinção última dos partidos. Tal destino requererá um aumento radical da responsabilidade do eleitor no processo democrático. Por ora tal parece uma proposta deveras distante.

Recordo novamente os tempos de criança, a dificuldade em preencher a avidez pela música. Nunca imaginaria nessa altura que um fino cabo com dois cones de borracha na ponta me pudesse pôr em contacto directo com um infindável cosmos musical.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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