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Portugueses da Bélgica não querem regressar ao país

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Clique para ampliar Arlindo tem 20 anos e está na Bélgica há um mês. Veio por causa da crise. Não havia trabalho em Portugal e os tios, que viviam em Bruxelas, trouxeram-no. Já diz que prefere estar aqui.

Entre os 14 e os 43 anos, os emigrantes portugueses com quem falámos juntam-se no restaurante «O Castiço», no bairro Saint-Gil, a ver a bola. As senhoras conversam e uma delas folheia a revista «Maria». Estão longe de Portugal, mas estão perto. Sabem e sentem que o país vive momentos de aperto.

João Guedes é ainda mais novo do que Arlindo. Tem 14 anos e está aqui há 8 meses. Os pais passaram de patrões em Portugal a empregados em Bruxelas. No mesmo ramo: restauração. João é o retrato de uma família que também quis fugir à crise, que quis mais do que sobreviver.

Este rapaz sabe que a troika existe, mas não sabe o que é. Ouviu dizer que o país vai crescer em 2013 e «gostava de voltar» para a sua terra. Mas tem noção de que Portugal, como está, não dá oportunidades aos jovens. E se tiver de continuar a ser emigrante, continua.

«A minha avó sempre me disse aperta o cinto. Sempre fomos um país pobre», diz outro João, mas com 35 anos, desde 1996 em Bruxelas.

Já Paulo Ferreira, 43, quando lhe perguntamos se quer falar connosco sobre a crise na sua terra natal, responde com ironia: «Estão ricos com Portugal!». Trabalhador no setor da construção, um dos mais fustigados pela crise, emigrou há dois anos e meio não por não ter trabalho, mas porque surgiu uma oportunidade.

Por um lado até gostava de regressar, mas não acredita que o país vai crescer. «É falso alarme dizerem isso. Não vai a lado nenhum». Serão precisos, antecipa, 20 a 30 anos para dar a volta por cima.

Culpa o povo. «O povo é que quer a crise. Põe a governar uma cambada de gatunos que não gere bem as contas». Para ele, o problema vem desde que Cavaco Silva foi primeiro-ministro, ou seja, desde meados dos anos 80. Para Tiago, 27 anos, outro problema é que, em Portugal, «muitos querem emprego, não querem trabalho».

Paulo ironiza: «O nosso país era a China tomar conta». Se a situação se mantiver como está, «estou a ver os meus filhos a pedirem ao Governo para lhes dar de comer».

Sobre a manifestação de 15 de Setembro, compara os protestos em Portugal a «estar em casa a dormir». A subida da TSU para os trabalhadores caiu, mas não tem dúvidas de que «daqui por uma semana estão a aplicar o dobro». Sócrates «era o único em condições». Tirou rendimentos aos portugueses, mas Passos Coelho «foi lá outra vez tirar mais».

E tudo a crise levou. Portugueses que vivem em Bruxelas não trocam a vida que têm lá por uma terra natal sem rumo Quem seria capaz de pôr o país na linha? Embora seja contra Salazar, Tiago arrisca a dizer que se hoje tivéssemos um político assim «se calhar não estávamos em crise».

O dono do restaurante, Zé Carlos, admite que «o buraco está lá e tem de ser tapado», mas são sempre os mesmos a sofrer. «Em 15 anos, o que vi em Portugal foi que todos os Governos deitaram dinheiro fora e os bancos insistiram que gastássemos. Não vejo solução».

Não vê e prefere ficar aqui, no cantinho dele. «Não troco a Bélgica por Portugal, mesmo que ganhasse o Euromilhões. Só depois da reforma. Não consigo ter lá a vida que tenho aqui», mesmo que na Bélgica pague impostos muito altos: a carga fiscal sobre os salários supera os 38% e é das mais pesadas da Europa. Mas valem as contrapartidas. Há «regalias» na Saúde e na Educação, por exemplo, que compensam.

O debate sobre o tema está aceso n`«O Castiço», entre minis SuperBock ou Sagres. A maioria dos clientes é portuguesa, mas muitos deles já vivem há muito em Bruxelas. Pensam até que o ordenado mínimo em Portugal é «600 ou 700 euros».

É precisamente em Bruxelas que fica a sede de um dos elementos da troika – a Comissão Europeia. Mas aqui, a mais de 2.000 km de distância de Lisboa, ninguém ganha menos de 1.300 euros por mês, em média. Estes emigrantes estão literalmente no centro das decisões europeias. Longe da vista, perto do coração. Com a revolta de um país sem rumo.

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