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Quando Scorsese decide ensinar-nos cinema

Diante das câmaras de Martin Scorsese pela sexta vez, Leonardo DiCaprio interpreta Ernest Burkhart, um veterano sem dinheiro que decide visitar o rico tio William “King” Hale (Robert De Niro, que roda com Scorsese pela décima vez). De Niro interpreta um abastado agricultor que se apresenta como um grande amigo da comunidade índia osage.

Contudo, esta benevolência e paternalismo são apenas fachada. Na verdade, King é o inventor de um esquema de casamentos entre brancos e osages. O objetivo é que, após a morte “prematura” dos índios, os cônjuges sobreviventes herdem o capital e os direitos de exploração de petróleo.

Ernest casa-se logo com Mollie, uma mulher osage detentora de um bom dote. Durante uma cena, Mollie é avisada pela sua irmã Anna que Ernest é uma cobra. Não podia dizer nada de mais acertado…

Já vos disse que este filme é uma obra-prima? Não? Então aqui vai: “Killers of the Flower Moon” é uma obra-prima.

“Killers of the Flower Moon” começa com um cachimbo da paz, um sinal claro de que os osage e a comunidade branca norte-americana têm tudo para (con)viverem pacificamente. Mas eis que, nas próximas três horas e meia, Martin Scorsese observa e mostra-nos a extinção dos osage, um povo que sofre a arrogância da comunidade branca e sobretudo de um capitalismo ávido de expropriações e domínio total.

Scorsese retrata o capitalismo da época de forma tão selvagem como era o Velho Oeste. E quem encarna toda a malvadez do capital é De Niro, numa interpretação magistral. O ator favorito de Martin Scorsese oferece uma visão sinistra e cínica. É difícil imaginar alguém que conseguisse fazer malabarismos com mais habilidade do que ele, oscilando entre o homem generoso, convencido que é amigo dos osages, e o assassino sem escrúpulos que se considera um profeta, com direito de vida e de morte sobre todo um povo.

Já vos disse que este filme é uma obra-prima? Ai disse? Mas volto a repetir: “Killers of the Flower Moon” é uma obra-prima.

Killers of the Flower Moon” parece um ‘western’ dos mais genuínos. Quando a personagem interpretada por DiCaprio chega de comboio a Fairfax, podíamos perfeitamente estar em “Once Upon a Time in the West” de Sergio Leone. Isto não é por acaso: Martin Scorsese sempre sonhou em fazer um western. E quando o mestre se mete nisso não brinca, reconstruindo com precisão a época através dos excecionais cenários de Jack Fisk e as roupas resplandecentes de Jacqueline West.

Mas as verdadeiras intenções de Martin Scorsese não encaixam no ‘western’, tal como também não cabem na definição clássica de ‘thriller’. “Killers of the Flower Moon” é outra coisa; é uma tragédia, uma tragédia norte-americana, onde os nativos não são desumanizados, mas sim humanos reais que contam a sua própria história.

Raúl Reis

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