Portugueses na África do Sul pedem ajuda a Lisboa
Líderes comunitários portugueses na África do Sul apelaram ao diálogo entre os governos socialista e do Congresso Nacional Africano (ANC, na sigla em inglês), reclamando apoios para enfrentarem a crescente violência, desigualdade, envelhecimento e empobrecimento no país.
“Espero que [o secretário de Estado] venha reconhecer as dificuldades que existem porque os apoios de Portugal são praticamente inexistentes e queremos que reconheçam que somos também cidadãos e que temos por aqui ficado abandonados e esquecidos por muito tempo”, apontou José Contente, em declarações à Lusa.
O dirigente da União Cultural Recreativa e Desportiva Portuguesa, em Turffontein, sul de Joanesburgo, que recebe na sexta-feira o secretário de Estado da Comunidades Portuguesas, Paulo Cafôfo, de visita ao país a partir de hoje, apontou como prioridades a segurança, o apoio no regresso “à terra” e aos jovens lusodescendentes, e a assistência social aos idosos.
“Não vemos alguns deles a regressarem e ao não regressarem precisam de um apoio aqui que o Governo terá de patrocinar, não é só a comunidade”, advogou José Contente.
Recordando que muitos passaram “por uma Guerra Colonial” e que a maioria é oriunda “do Ultramar português”, o líder comunitário sublinhou que os compatriotas na África do Sul estão a constatar que “realmente não há dias melhores, pelo contrário os dias que se avizinham são talvez mais difíceis”.
“A incerteza política é grande, não há garantias de que o atual Presidente vai continuar [no cargo], a violência é terrível, há fome, há desemprego, há desigualdade e todos nós andamos a olhar para a sombra todos os dias”, salientou o imigrante português à Lusa.
Dados oficiais indicam que o desemprego é superior a 44,4% no país com mais de 60 milhões de habitantes, onde os cortes diários de energia e de água são cada vez mais frequentes devido à degradação de infraestruturas públicas.
A inflação anual dos preços ao consumidor atingiu um novo recorde de 7,8% em julho, o nível mais alto em 13 anos, mas a inflação anual para bens não duradouros também se situou em julho em 14,4%.
O Presidente, Cyril Ramaphosa, considerou recentemente que a grande corrupção pública no mandato do seu antecessor “arrancou a alma” da nação e “corroeu severamente o pacto social entre o Estado e os cidadãos”, estimando que custou ao país cerca de 500 mil milhões de rands (29,3 mil milhões de euros).
“Não havendo imigração nova, não havendo juventude a vir de Portugal para cá, são só os nossos filhos, os nossos lusodescendentes, que não encontram trabalho”, na África do Sul democrática, “tenham os cursos que tiverem”, considerou José Contente.
“É difícil, terão talvez que regressar, nós os mais velhos que poupamos alguma coisa também pensamos em regressar, e as autoridades [portuguesas] terão de ter tudo isso em consideração”, acrescentou.
Contente apontou que, tendo em conta que no país para se conseguir singrar é necessário “uma integração BEE [‘Black Economic Empowerment’, legislação sul-africana de ação afirmativa]”, se não tiverem apoio, será duro: “Vamos passar as passas do Algarve e entrar numa decadência”.
Pela primeira vez, na história do associativismo luso na África do Sul, a União Portuguesa organizará na sexta-feira uma receção ao governante socialista juntamente com a Academia-Mãe do Bacalhau, Casa da Madeira, Fórum Português, Núcleo de Arte e Cultura, Luso África e Associação Portuguesa de Vanderbijlpark.
Segundo Tony Oliveira, dirigente da coletividade Associação da Comunidade Portuguesa de Pretória (ACPP), que reunirá em Pretória, a capital do país, mais outras tantas coletividades no sábado para assinalar o fim da visita de Paulo Cafôfo ao país, “é também do interesse do Governo português” apoiar a vasta comunidade imigrante na África do Sul “porque a imigração gasta tanto dinheiro em Portugal”.
Na ótica do dirigente comunitário, é necessário melhorar os serviços consulares, modernizar as associações, facilitar o ensino da língua portuguesa e investir na juventude lusodescendente, que quer emigrar para outros países da comunidade anglófona Commonwealth devido às políticas de exclusão racial do Governo sul-africano.
Por seu lado, o dirigente da Casa da Madeira de Joanesburgo, Alberto Santo, defendeu à Lusa o reforço do “diálogo” institucional, nomeadamente também com as autoridades de Pretória, em defesa da segurança e do futuro da comunidade imigrante no país.
“A comunicação é o mais importante entre a gente e eles”, frisou o empresário madeirense, sublinhando que as associações e clubes lusos no país enfrentam “dificuldades”.
“Como o Governo está a apoiar as outras casas [clubes e associações] na Venezuela e em toda a parte do mundo, nós também queremos esse apoio”, afirmou.
Questionado sobre o futuro, o empresário madeirense destacou “preocupação” com a galopante onda de violência, criminalidade, assaltos e raptos.
“O crime é um problema grande e precisamos do Governo português”, salientou Alberto Santo, apelando para que o executivo de António Costa interceda junto das autoridades de Pretória em defesa dos imigrantes portugueses e lusodescendentes na África do Sul.
“Todos juntos, unidos, julgo que poderemos receber mais atenção do Governo sul-africano para fazerem mais pela comunidade portuguesa, pode ser madeirense ou portuguesa, porque devido aos assaltos nos negócios e os problemas que enfrentamos atualmente, os nossos filhos querem emigrar e precisamos desse apoio para ver se colocamos mais pressão no nosso Governo da África do Sul para nos apoiar”, frisou Santo.
O secretário de Estado das Comunidades Portuguesas visita a África do Sul entre hoje e sábado, na sua primeira visita oficial ao país para contactar a comunidade portuguesa.
A visita inicia-se na Cidade do Cabo, e antes de terminar em Pretória inclui deslocações a Durban, Joanesburgo e Benoni, lê-se numa nota enviada à agência Lusa.