De que está à procura ?

Colunistas

E o povo saiu mesmo à rua para celebrar Abril

O povo saiu à rua para manifestar o seu apego aos valores da liberdade e democracia conquistados em 25 de abril de 1974. Encheu como nunca antes a Avenida da Liberdade em Lisboa e o Largo do Carmo e ruas e praças no Porto e cada canto do país. Encheu os salões da Câmara de Paris, e celebrou em Frankfurt, no Luxemburgo, em Genebra e em Londres e em tantas centenas de outras cidades com a alegria contagiante de quem leva bem erguido o cravo vermelho da revolução, gritando que a liberdade que conquistámos é a mesma que queremos defender hoje com tanta determinação como há 50 anos.

A revolução de abril tem uma grande beleza porque tem flores e muita música, muita música de intervenção para mudar as consciências e porque quase não foi derramado sangue, não fosse a resistência teimosa dos  PIDES que matou quatro pessoas e feriu mais de quarenta, numa derradeira demonstração de fidelidade ao regime infame e podre que durava há quase meio século. 

A Revolução de Abril, acima de tudo, trouxe o sonho e a esperança num país melhor, mais justo e mais desenvolvido. E abril não está por cumprir como dizem alguns mais amargos. Abril tem-se cumprido a cada dia que passa com o esforço de todos, que ao longo destas cinco décadas têm dado tudo para termos um país melhor. Os resultados do desenvolvimento estão à vista, são objetivos e só não os vê quem não quer, da mortalidade infantil à educação, da saúde aos serviços públicos, da rede de infraestruturas ao bem-estar e qualidade de vida. 

A democracia e os direitos humanos não são conquistas definitivas. São frágeis e podem ser efémeras, como se vê pela regressão que tem havido no mundo. E, por isso, nas avenidas das liberdades do país e fora das nossas fronteiras desfilaram sonhos e palavras de ordem que são gritos de luta com uma energia como há muito não se via, como se um sinal de alarme tivesse soado. Os tempos de hoje têm no ar inquietação, incerteza quanto ao futuro, medo que os direitos conquistados sejam espezinhados pelos inimigos das sociedades livres e abertas.

Os valores de abril mantêm assim plena atualidade e trazem consigo um manual de combate para melhor enfrentarmos as ameaças às liberdades que pairam sobre as nossas sociedades. Os valores do progresso, liberdade, democracia, respeito pelos outros, são valores universais e eternos. E por isso eles são uma força poderosa para enfrentar os movimentos que recuperam passados de má memória, pelas mãos de uma extrema-direita nacionalista e populista que se espalha como um cancro pela Europa e nas Américas, que põem em causa a convivência pacífica e a coesão nas nossas sociedades, as instituições democráticas, o pluralismo e as liberdades individuais. Que abrem a Caixa de Pandora onde estão os discursos de ódio contra imigrantes e minorias, a xenofobia e o racismo, a perseguição aos costumes, os preconceitos, o conservadorismo que aniquila os avanços de civilização na igualdade e respeito entre seres humanos.

Considero uma ofensa aos valores de abril que o Parlamento português tenha hoje um partido de extrema-direita que vive bem com a memória e os atos da ditadura, que abre a porta para movimentos ainda mais extremistas saírem à rua sem pudor exibindo os símbolos dos fascismos e das ditaduras, gritando louvores a Salazar e ao nazismo, ofendendo e provocando descaradamente os valores da República. Um partido que apoia a sua ação na mentira e na manipulação, não pode nunca falar em nome do povo, antes o usa e engana, sem olhar a meios para atingir os seus fins. Mas não será com as mesmas armas que serão derrotados, nem com o teatro da falsa indignação, nem com a retórica inflamada, mas sim com os argumentos dos democratas, com a lei e a Constituição.

Por isso, celebrar abril quando se assinalam os 50 anos da Revolução, é uma inspiração para os combates necessários para manter sempre vivo o que é mais precioso para todos os democratas, que é a liberdade, todas as liberdades e o respeito, o respeito por todos, todos, todos.

Paulo Pisco

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

TÓPICOS

Siga-nos e receba as notícias do BOM DIA