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Ode a uma máquina de lavar

Quando era miúda e passava o mês de setembro na quinta da minha avó paterna, muito gostava eu de ir lavar a roupa ao rio! Uma ou duas vezes por semana, as lavadeiras, duas ou três moças da aldeia, passavam de manhã cedo pelo Vale da Rama (assim se chamava o lugar), pegavam nas trouxas que a velha tia Conceição tinha preparado de véspera, pegavam na merenda e nos meninos – eu e o meu irmão – e lá íamos. Elas avançavam, firmes e galhofeiras, equilibrando os alguidares de roupa que levavam à cabeça, bem assentes sobre uma grossa rodilha de trapos. Nós seguiamo-las, saltitando alegremente. Atravessávamos a horta, o pomar, a vinha, o pinhal e a várzea e, de repente, aparecia o rio.

Na margem, havia muitas pedras. As mais rugosas eram boas para esfregar a roupa de trabalho dos homens. As mais amplas e lisas eram boas para a roupa de cama. Havia também uma hierarquia a respeitar: esta era a pedra da Bela; aquela, a pedra da Lina; a outra mais além, a da tia Maria José, que era quem mais lavava naquele rio. Se a tia Maria José não estivesse, a pedra poderia ser ocupada por outra lavadeira. As mulheres poisavam então as trouxas, tiravam da bolsa do avental um pano velho ou um bocado de borracha para pôr sob os joelhos. Depois, ajoelhavam-se, dobravam-se e, quase de gatas, sabão azul e branco nas mãos, lavavam, lavavam, lavavam, afincada e teimosamente. E davam-nos uma ou outra coisita para nós, os miúdos, lavarmos também. Estendida sobre os seixos quentes, a roupa lavada corava ao sol. Pela uma da tarde, regressávamos a casa à torreira do sol, a roupa lavada, os miúdos felizes e as mulheres cansadas.

Em Lisboa, em casa da minha avó materna, o sistema era outro: a roupa era lavada num tanque enorme instalado na marquise na parte detrás da casa. Ao domingo à noite fazia-se a sabonária: punha-se a roupa de cama e as toalhas dentro do tanque, que se enchia de água e flocos de sabão. Bem remexida e misturada com o sabão, a roupa ficava de molho até ao dia seguinte. Às segundas-feiras, a Rita, um mulher pequena e magra, empoleirava-se num caixote e atirava-se como gato a bofe à roupa demolhada. Em seguida, lavava a roupa de vestir, que não se punha de molho. No final da manhã, a mulher tinha dado conta do recado. Assim foi até a máquina de lavar a roupa entrar em nossa casa, pouco depois do 25 de abril de 1974, para revolucionar por completo os nossos hábitos.

Não há muitas tarefas domésticas mais penosas do que a lavagem manual da roupa. Ir buscar água à fonte ou ao poço é uma delas, algo que muitas mulheres e crianças continuam a ter de fazer em muitos cantos do mundo. Mas poucas tarefas roubaram mais tempo, energia e saúde a gerações sucessivas de mulheres do que a lavagem da roupa. O esforço posto na lavagem da roupa e o respetivo resultado – a brancura da roupa lavada – eram como uma espécie de medida da dedicação da mulher ao lar e da sua competência como dona de casa. Lembram-se daquele anúncio do OMO, o detergente que lava mais branco, graças ao qual os meus lençóis são mais brancos que os da minha vizinha? Ai de mim, se alguém tivesse roupa mais branca do que a minha…

Ao aliviar o peso das tarefas domésticas, libertando as costas e o tempo das mulheres, a máquina de lavar roupa fez, faz e continuará a fazer mais pelas mulheres do que muitos discursos. Numa semana em que se marcou mais um Dia Internacional da Mulher, faço votos para que muitas mais mulheres por esse mundo fora possam ter uma máquina de lavar roupa por perto. Significaria isso que o acesso a eletricidade e a água canalizada estava garantido. E talvez também significasse mais tempo para outras coisas, por exemplo, para si próprias. Eis o que me passou pelo espírito, ao ver este estendal de roupa branca que fotografei à sorrelfa.

Eduarda Macedo

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