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Crónica de Berlim

Viajei para Berlim só com uma mochila às costas (e como sempre levei mais coisas do que aquelas que realmente precisei) e com apenas três coisas na cabeça: beber uma cerveja, ver o que resta do muro de Berlim e comer um kebab (sugestão de uma amiga polaca que me disse que os kebabs são, afinal, originários de Berlim). Verdade seja dita, não sabia muito ao que ia, mas é assim que acontecem as melhores viagens.

Sem planos nem ideias definidas deixámo-nos levar pela cidade. Era já de noite e fomos guiados por Berlim. Nunca pensei sentir-me tão segura a descobrir ruas nunca antes por nós vistas (e que provavelmente não voltaremos a ver). Se me perguntarem por onde andei, encolho os ombros e digo que não sei, nem faço a menor ideia e se calhar, nem quero saber. Não sabemos por onde andamos e fomos felizes assim.

O muro foi descoberto por acaso, já no regresso ao hostel, quando já tínhamos percorrido um quilómetro ao seu lado. É esta a beleza de não se saber ao que se vai e em que acabamos por ser surpreendidos. Na minha cabeça o que restava do muro era apenas um pedaço de cimento preservado para a história. Não podia estar mais enganada. Hoje em dia o muro de Berlim é a vitória da arte sobre a repressão e divisão de dois mundos. Hoje passeia-se livremente por uma cidade antes dividida e os resquícios deste tempo foram pintados para a eternidade.

Berlim respira arte urbana mas só com as pessoas certas é que os nossos olhos são abertos a este submundo à vista de todos. Desde pequenos graffitis a obras monumentais de arte urbana, Berlim tem um pouco de tudo (até uma obra do nosso Vhils).

Decidimos fazer uma tour alternativa (repetida meses mais tarde em Lisboa) dedicada apenas à arte urbana. Quando não se sabe muito bem ao que se vai acabamos por dizer que sim a tudo. Desta vez até correu bem. O ponto de encontro foi na Alexanderplatz e daí percorremos vários bairros de Berlim com histórias escondidas em cada um deles.

Aprendi a olhar em vez de ver apenas e a não julgar um sítio pelo seu aspeto exterior. Paramos em frente a uma casa (dificilmente a caracterizaria assim antes de ouvir a história) que durante a guerra fria era um espaço de despejo de lixo dos ocidentais em território oriental. Durante esta época houve uma vaga de imigração muito grande vinda da Turquia (às tantas a história dos kebabs é mesmo verdade) e um imigrante turco conseguiu olhar para esse terreno coberto de lixo e ver nele algo mais, a sua futura casa. Como em tudo na vida, o mais difícil não foi construir a sua casa, mas sim mantê-la. Muitos tentaram comprá-la para depois a demolir (estragava um pouco a vistas, diziam eles), a câmara municipal tentou expropriá-los da sua casa (para lhes dificultar a vida, este senhor prendeu todos os seus bens ao chão com cimento) mas um movimento cívico conseguiu contrariar as vontades da câmara. Décadas volvidas, o muro caiu e a casa manteve-se, até aos dias de hoje, onde Osman Ralin ainda vive com a sua família.

Em Berlim voltei a ser criança quando nos perdemos num parque imenso e descobrimos um parque infantil. Eramos só nós e brincamos até ser de noite, felizes como nunca. Já não me lembrava da última vez que me tinha cansado e ficado com calor de tanto correr, pular e rir. Era já de noite e por isso continuamos. Voltamos a um sítio que nos era familiar (o nome já não me recordo), um jardim com um cenário idílico: um museu de arte antiga com a fachada a lembrar a Grécia antiga e uma catedral de mármore. O meu coração ainda aquece ao lembrar-me deste momento: uma noite quente de junho em plena capital alemã, sem barulhos, sem nada, apenas nós a ouvir os acordes de uma guitarra acompanhados de uma das melhores vozes que já ouvi. Nesse momento fui feliz ao chorar e lembrar-me de ti.

É sem dúvida o melhor momento que guardo desta minha pequena estadia em Berlim. Sem planos, sem ideias, sem mapas. Por isso vão, viajem, saiam das vossas zonas de conforto sem fazer planos. Deixem-se levar pelo vento e este irá trazer-vos as melhores coisas, sem vocês estarem à espera.

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