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Crime no matadouro

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No fim de semana passado decorreu uma jornada portas abertas no velho matadouro (Schluechthaus) de Hollerich, organizada pela Cidade do Luxemburgo. Fui lá com alguns amigos. Havia atividades para crianças, worshops de skate, capoeira e graffiti, stands associativos, bifanas, minis e rissóis.

Gosto desta zona, para onde vim morar uma semana depois de ter chegado ao Luxemburgo, corria o ano de 1985. A minha casa ficava a dois passos do matadouro, que só cessou a sua atividade em 1997. Mais tarde, foi utilizado como armazém para um monte de coisas. Nele foram instalados os serviços de desporto municipais e foi aí que o primeiro skatepark da cidade abriu as portas.

Diz o município no seu sítio web que esta jornada portas abertas faz parte de um vasto programa de valorização e revitalização pré-obras da Schluechthaus com o objetivo de testar as ideias e as preferências recolhidas no âmbito de uma consulta dos cidadãos sobre a utilização futura deste espaço, organizada… em setembro de 2019. Certo é que ninguém parece saber de que «vasto programa de valorização e revitalização» se trata nem o que se pretendia exatamente testar com esta simpática jornada.

Os terrenos onde se situa o velho matadouro pertencem ao município e gozam de uma excelente situação geográfica no sul da capital. São cerca de 2,5 hectares, espaços verdes incluídos, na proximidade dos grandes eixos rodoviários, de diversos estabelecimentos escolares e de uma futura urbanização ecológica, a dita Porta de Hollerich, da qual se fala há anos. Que belos terrenos! É por serem tão apetecíveis que aguardo com expetativa o caderno de encargos do futuro concurso de arquitetos com vista às ditas obras de desenvolvimento urbano do velho matadouro. Devia ter sido apresentado ao conselho municipal o outono de 2021.

Estão já a ver os tubarões do imobiliário a afiar os dentes e a babarem-se, não estão?

A perspetiva de os edifícios do velho matadouro desaparecerem do mapa enche-me de tristeza. Se tal acontecer, desaparecerá também a história industrial, urbana, cultural e artística que lhe está associada. Esta memória, inclui a história do grafíti e das várias gerações de artistas que a construíam desde os tempos da ilegalidade nos princípios da década de 80 até ao reconhecimento do grafíti como forma de expressão artística de pleno direito. Grandes artistas como Sumo, Spike, Stick, Alain Welter e muitos mais, uns daqui e outros de fora, viveram este espaço como lugar privilegiado de encontro e de criação. Aqui se formaram novas gerações de artistas. O velho matadouro é um lugar único na Europa e isso deveria bastar para que fosse protegido contra a cobiça especulativa.

Os edifícios do velho matadouro, renovados na medida do estritamente necessário, poderiam ser também uma solução para problemas que o município teima em não querer resolver: a falta de ateliês para artistas plásticos, músicos, atores, bailarinos, etc. profissionais e amadores; a falta de salas para a vida associativa e de bairro; a falta de espaços efetivamente livres para os jovens, um café e um restaurante para todos, uma sala de espetáculos, etc. Com as paredes exteriores livres para o grafíti. Tudo isto gerido pelos próprios interessados, claro.

O município inspirar-se facilmente nos muitos exemplos de reabilitação de velhos edifícios industriais que existem pela Europa fora. Aqui ao lado, em Trier, a EKA é um deles. A belíssima Unperkekt Haus, em Essen, é outro. A incrível UFA Fabrik, em Berlim, outro. Mas não. Não só não só não se inspira, como fez com que um projeto com uma filosofia semelhante, Hariko, partisse para outro município, Esch-Alzette. É, pois, de temer que assistamos a breve trecho a mais um crime no matadouro: a sua substituição por mais uma urbanização moderna, limpinha, aborrecida e sem alma tão ao gosto da atual maioria que governa a cidade.

A menos que as forças vivas da nação acordem rapidamente. Acordem, seus palermas!

Eduarda Macedo

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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