De que está à procura ?

Colunistas

As palavras dos outros: tanta liberdade

Quando surgiu esta oportunidade de cronicar no Bom Dia, saltei de contentamento. Finalmente, um sítio onde escrever, diferente das redes sociais e melhor do que o blogue que não tenho. Disseram-me «escreves o que quiseres, quando quiseres, pouco ou muito, é contigo. Serás a única responsável pelas tuas palavras». Deu-me uma espécie de tontura e senti a cabeça a andar à roda como se tivesse bebido um copo a mais. «Tanta liberdade!», disse para com os meus botões.

As coisas complicaram-se quando me disseram «precisamos de uma fotografia tua e de saber o que vamos indicar como profissão ou atividade». Vamos por partes e comecemos pela fotografia. Nunca gostei de ser fotografada. Não sou fotogénica e agora que passei os sessenta ainda menos. «E agora, um sorrisinho!». Um horror…

Depois de muito vasculhar, escolhi a fotografia que está atualmente no Facebook. Sou de facto eu, despenteada e a pensar na morte da bezerra. Foi tirada num dia de sol, no parque de um museu de que gosto muito, a Villa Vauban, e, apesar do meu cenho franzido, sentia-me serena, quase feliz. Estou meia escondida e apoiada numa escultura de Wercollier intitulada Enlacement (enlaçamento, enlace, abraço, diz o dicionário). Uma maravilha de forma redondas, aquecida pelo sol, que apetece abraçar como a uma mãe gorda. E agora que tiritamos de frio, é bom recordar esse calor.

Resolvida a questão da fotografia, passamos à seguinte. O que indicar como atividade ou profissão? É que eu sou muitas coisas. A última flor a juntar-se ao ramalhete é ter sido nomeada conselheira municipal (conseillère communale). Poderia, pois, assinar «Eduarda Macedo, conselheira municipal». Mas este papel é novo que mais parece um par de sapatos novos a magoar-me os pés… Por outro lado, trabalho na Comissão Europeia como tradutora há mais de três décadas. Poderia assim, assinar «Eduarda Macedo, tradutora» ou «Eduarda Macedo, funcionária europeia». Mas… e se digo qualquer coisa que contrarie as políticas europeias?? E se o partido se não gosta?? E se a burgomestre me ralha??

Tantos «se»!! E se eu pensasse antes no que quero escrever? Esta pergunta não é estúpida para quem passou a vida a escrever as palavras dos outros. Agora apetece-me falar sobre o que se passa à minha volta, por exemplo aqui no Luxemburgo. Quero pensar sobre coisas que me fazem cócegas no cérebro: coisas que ouvi, vi ou li, conversas que tive com alguém, frases soltas ouvidas no autocarro ou grafitadas nas paredes, etc. É isso, gostaria de escrever histórias minhas a propósito das palavras dos outros. As palavras dos outros. Está assim batizada esta crónica.

«Ofereceram-me de bandeja a possibilidade de escrever em total liberdade. O que vou eu fazer com tanta liberdade?» perguntei a um amigo com quem partilhei esta dúvida. «Qual é o teu problema?», perguntou-me ele. O partido poderá não gostar, mas há sempre uma margem de espírito crítico e a burgomestre, que nem sequer é desse partido, pode levar umas farpas de vez em quando. E mesmo que tenhamos o dever de reserva, as políticas europeias terão sempre aspetos criticáveis. A ideia de seres uma cronista cordata não casa bem contigo…». «Mas não é só disso que se fala agora? De liberdade e dos limites da liberdade?? desabafei eu. «Como é que posso pensar noutra coisa?»

Escrever histórias sobre o que passa à minha volta. Histórias minhas com as palavras dos outros. Assinadas por mim que não escrevo por conta de ninguém que não seja eu. Histórias para fazer pensar. Digam lá se não é um projeto ambicioso?

(Maria) Eduarda (de) Macedo

Funcionária europeia quase à beira da reforma, conselheira comunal debutante nos meandros da política luxemburguesa, contadora de histórias e cidadã do mundo

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

TÓPICOS

Siga-nos e receba as notícias do BOM DIA