Aproxima-se o Dia Internacional da Poesia e não queremos deixar de o comemorar consigo. Venha connosco num roteiro pela poesia portuguesa e por alguns dos seus maiores poetas. Deixemo-nos encantar por este nosso património inconfundível.
Selecionado por Patrícia Barata.
Poema IV
“Não Posso Adiar o Amor” de António Ramos Rosa
Não posso adiar o amor para outro século
não posso
ainda que o grito sufoque na garganta
ainda que o ódio estale e crepite e arda
sob montanhas cinzentas
e montanhas cinzentas
Não posso adiar este abraço
que é uma arma de dois gumes
amor e ódio
Não posso adiar
ainda que a noite pese séculos sobre as costas
e a aurora indecisa demore
não posso adiar para outro século a minha vida
nem o meu amor
nem o meu grito de libertação
Não posso adiar o coração
in Viagem Através de uma Nebulosa, 1960
António Ramos Rosa (1924-2013)
Professor, crítico literário, desenhador, ensaísta e tradutor, mas sobretudo poeta, António Ramos Rosa legou-nos uma vasta e multifacetada obra – central no contexto da literatura e da poesia portuguesas – de mais de seis décadas de vida literária.
O seu primeiro livro Grito Claro foi publicado em 1958.
Colaborou nas revistas Seara Nova, Vértice e Cadernos de Poesia. Fundou com António Luís Moita, José Terra, Luís Amaro e Raul de Carvalho a revista Árvore. Também co-dirigiu as revistas Cassiopeia (1955) e Cadernos do Meio-Dia (1958–1960).
Manteve sempre uma atitude crítica em relação ao Estado Novo e, em 1970, recusou-se mesmo a receber o Prémio Nacional de Poesia da Secretaria de Estado de Informação e Turismo, atribuído a Nos Seus Olhos de Silêncio.
Da sua extensa obra destacam-se vários livros premiados, tais como O Incêndio dos Aspetos, Incisões Oblíquas; Acordes; As Armas Imprecisas, Génese Seguido de Constelações, entre outros.
António Ramos Rosa recebeu ainda o Prémio Pessoa, em 1988; o Grande Prémio Internacional de Poesia, em 1990; o Prémio da Bienal de Poesia de Liège, em 1991 e no mesmo ano a distinção de Poeta Europeu da Década pelo Collège de L’Europe. Em 2005 recebeu o Prémio Sophia de Mello Breyner Andresen; em 2006 a Medalha de Mérito Cultural do Ministério da Cultura e em 2008 a Medalha de Honra da Sociedade Portuguesa de Autores.
As palavras encontram, na obra do poeta, reflexão e mestria na (aparente) simplicidade com que no-las legou. Deixou-nos questionamentos e interrogações atuais e imprescindíveis, mesclando poesia e filosofia, num tempo que embora liberto do jugo da Ditadura Salazarista, é marcado por outras ditaduras (“do banal”, da homogeneização cultural) que nos cingem e condicionam. A liberdade, enquanto rejeição da morte (do “esmagamento, emparedamento e asfixia”) que os totalitarismos impõem ao Homem, é possível pela palavra na busca da essência, daquela “submersa nascente que inaugura o mundo”.
Para o poeta a palavra é capaz de fazer o Homem alargar os seus limites incessantemente. Diz-nos: “No fundo das palavras é que nós somos/ no fundo e no fulgor da sua evidência”, a palavra é “o frémito da liberdade e do destino / e nos impele para a frente para nós sermos o mundo / ou a origem dele no nosso alento novo” (As palavras, 2001), é energia motriz, libertadora:
Escrevo para não viver sem espaço,
para que o corpo não morra na sombra fria.
(Construção do Corpo, 1969)
António Ramos Rosa é um autor incontornável na literatura portuguesa. Desvende-lhe a obra, caro leitor.
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