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Carta aberta ao senhor Primeiro-Ministro de Portugal

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Clique para ampliar Exmo. Senhor Primeiro-Ministro, e, já agora, restantes membros do insuportável e execrando executivo,

Depois de aturadíssima ponderação, acredite que não é nada fácil dirigirmo-nos ao algoz que pretende decapitar-nos, tomei a liberdade, impulsionado por uma explosiva mescla de exaspero, inquietação, raiva, desalento, indignação, mágoa e tristeza, de redigir uma curta missiva a V. Exa., porém, convém mencionar, esclarecer, não tão curta quanto as suas ideias político-governativas.

Resolvi escrever-lhe não por acreditar que minhas palavras irão surtir qualquer efeito junto de suas opiniões e convicções, que eu suponho solidamente inabaláveis e ininfluenciáveis, mas antes para aliviar uma carga incontida que me dilacera continuamente, e, outrossim, óbvia e naturalmente, para ficar de bem com a minha consciência.

Antes de dar seguimento à missiva, gostaria de apresentar-me, pois sou daqueles que em situações deste jaez jamais permanecem detrás do reposteiro do anonimato. O meu nome é Portugal, tenho mais de oitocentos anos, nasci e vivo num dos mais belos pedaços de terra do Velho Continente, sou pai e mãe de mais de dez milhões de filhos – de homens e mulheres que trabalham arduamente e pagam as suas contas e impostos religiosamente, que todos os dias fazem sacrifícios em prol de uma austeridade cruel, inapropriada, disparatada, obtusamente imposta, adversa aos mais fundamentais e básicos ditames em matéria de crescimento económico e empregatício; sou pai e mãe de mais de dez milhões de filhos, de homens e mulheres que estão fartíssimos dos seus devaneios, incongruências, parvoíces, mentiras, atentados, abusos e erros – em suma, fartíssimos do seu carácter, da sua pancada neoliberal, da sua incompetência, fartíssimos da sua figura desde a ponta dos pododáctilos até à ponta dos cabelos.

Ultimamente, a minha paciência em relação à política nacional, à sua política, para ser mais claro, só encontra paralelo na paciência que V. Exa. tem para com os problemas que assolam este torrão que o viu nascer, ou seja, nenhuma. Contudo, mesmo assim, e ao contrário de V. Exa., que ignora e despreza tudo o que se passa “deste lado”, eu faço por acompanhar, naquilo que me é possível aceder e examinar, tudo o que se passa “desse lado”. Deste modo, embora não me considere de todo um experto na matéria, sou pelo menos alguém com clarividência e discernimento suficientes para auscultar e compreender os meandros da labuta político-governativa nacional.

Atente nisto, Sr. Primeiro-Ministro: a totalidade dos compêndios de ciências políticas diz-nos que o dever e missão de todo e qualquer governante é zelar e salvaguardar os interesses do seu país e do seu povo nas suas vertentes económicas, sociais, culturais e humanas, principalmente. Ora, analisando, grosso modo, o percurso de V. Exa. desde o seu empossamento até ontem à tarde, este primou, não por aquilo que preconizam os respectivos compêndios, mas por algo resolutamente afincado nos seus antípodas. V. Exa zelou pelos seus interesses, pelos interesses daqueles que o rodeiam e bajulam, salvaguardou os interesses de uma súcia empresarial extorsiva, de grupos financeiros trapaceiros, desprezou a estabilização das finanças, despromoveu o crescimento económico, menoscabou a situação da Segurança Social e marimbou-se para as pequenas e médias empresas. V. Exa., no fundo, ignorou o país e os meus filhos. Trocando isto por miúdos, V. Exa, segundo o que vem estipulado nas páginas dos compêndios supra-referidos, pura e simplesmente passou todo este precioso tempo a desgovernar.

Senhor Primeiro-Ministro, consegue imaginar um país onde os professores desensinassem, os médicos debilitassem e adoecessem as pessoas, as construtoras destruíssem máquinas e os legisladores desfizessem leis? Quanto tempo levaria este país a percorrer o seu penoso caminho até ao definhamento definitivo? Uma geração bastaria, estou convicto. E já agora, Sr. Ministro, consegue imaginar um país com um governador cuja função precípua se limita-se pura e simplesmente a desgovernar? A priori, dir-se-ia que nem o espírito mais kafkiano conseguiria na sua fantasia conceber assim um país. Mas tal não acontece. Não precisamos recorrer aos domínios da imaginação – contemplemos algo mais à mão, concreto, alcançável: a realidade nacional. É verdade, Sr. Primeiro-Ministro, esse país existe: é o seu; o governante também: é V. Exa. O que me constrange é que eu sei que nada disto o afecta – “é para o lado que dorme melhor”, como o diz perspicazmente o jargão popular.

Sr. Primeiro-Ministro, por quem é, demita-se, vá para um mosteiro budista, ingresse num circo ambulante, abra uma gelataria, forme uma banda de heavy metal, mas, por favor, imploro-lhe, deixe para bem deste país, dos seus cidadãos e da própria política a confortável cadeirinha do poder.Se anuir ao meu pedido, garanto-lhe, muito seguramente, que a grandíssima maioria dos portugueses acolherá muitíssimo consolada e regozijada aquele que será unanimemente considerado o seu maior feito enquanto político, um feito que será lembrado e celebrado per saecula saeculorum. Ademais subirá na minha consideração – passará de nível C (sem interesse) a BBB (qualidade média).

Antes de dar por finda esta missiva, acredite que não estava nas minhas intenções alongar-me assim neste rosário (quando se trata dos meus filhos,a insistência e a perseverança são mais pertinazes e fortes do que eu),peço-lhe encarecidamente que leia, releia, digira, pense e repense no que venho de expor-lhe; seguidamente, recomendo-lhe um pouco de ioga ou tai-chi-chuan; finalmente, entranhe tudo isto, delibere, intervenha e aja, isto caso ainda os tenha no sítio. Falo, obviamente, dos seus atributos políticos, executivos e governativos.

Com os melhores cumprimentos,

Muito pesaroso e exasperado, subscrevo-me,

Portugal

(Assinado: Dinis Moura)

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