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Sobre o reconhecimento da independência da Palestina

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Dizia um jornalista britânico que enquanto o fantasma de 1948 continuar a pairar, não haverá esperança de paz no Médio Oriente. Por isso, a discussão que hoje fazemos no Parlamento deve ser entendida como um modesto contributo para a paz, para o cessar-fogo imediato, para a libertação dos reféns e para que Israelitas e Palestinianos possam construir um futuro de segurança e mútuo reconhecimento, sem radicais nem radicalismos.

A história mostra que à medida que o tempo vai passando, a criação do Estado da Palestina fica mais difícil de concretizar, designadamente devido à construção constante e persistente de colonatos na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, que as próprias Nações Unidas consideram uma ocupação ilegal.

São também as Nações Unidas que em 1974 reafirmaram o direito inalienável do povo palestiniano à autodeterminação, soberania e independência e o direito ao regresso de todos os refugiados ao seu território. Ao longo de décadas, já houve vários êxodos e esperemos que agora em Gaza não ocorra outro para o Egipto, onde mais de um milhão e meio de palestinianos foge das bombas sem saber onde se abrigar.

Se não for por via da criação de um Estado da Palestina, eventualmente com uma Autoridade Palestiniana reforçada e renovada e sem a interferência de grupos terroristas, plenamente reconhecedor do Estado de Israel, provavelmente nunca mais haverá paz e as nossas sociedades sofrerão também as consequências deste fracasso.

O maniqueísmo que não consegue ver mais que bons de um lado e maus do outro, só alimenta o ódio e a desumanização que impede de ver o humano que existe por detrás da vida de cada palestiniano e de cada israelita. Aos bárbaros ataques terroristas do Hamas, que espalharam a dor e a angústia em Israel, seguiu-se uma ofensiva brutal das forças israelitas, que provocou uma situação humanitária que organizações de apoio e agências das Nações Unidas consideram “apocalítica”. Os civis não podem, em circunstâncias nenhumas, ser alvo de ataques indiscriminados, nem privados de ajuda humanitária para sobreviver, o que é uma violação do direito humanitário internacional. Depois da solução dos dois Estados ter estado relativamente esquecida na opinião pública nos últimos anos, eis que volta a irromper com força no contexto desta guerra, mesmo pela voz daqueles que nunca a deveriam ter abandonado, como os Estados Unidos e a União Europeia. Durante demasiado tempo, a solução dos dois Estados
pouco mais foi de que uma proclamação retórica, sem que nenhuns passos concretos tenham sido dados, tolerando assim a fragmentação e diminuição progressiva do território, a perda de autonomia da Faixa de Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental, o aumento do ressentimento e rejeição da criação do Estado da Palestina.

E por isso há agora urgência, mas é preciso mudar a abordagem para fazer valer a necessidade da criação do Estado da Palestina, com os ajustes que as partes considerem mutuamente aceitáveis.

Já se percebeu que, apesar de haver 139 Estados membros das Nações Unidas que foram reconhecendo o Estado da Palestina, numa tentativa de acabar com a persistente violação dos direitos humanos e das resoluções das Nações Unidas, a verdade é que isso em nada contribuiu para a resolução do problema nem teve qualquer efeito prático, nem mesmo aqueles que decidiram fazer o reconhecimento unilateralmente dentro da União Europeia, como foi o caso da Suécia em 2014. Pelo contrário, a situação é hoje muito pior e há quem considere mesmo que já não existem condições para a criação do Estado da Palestina. O atual governo de Israel, o mais extremista de sempre, opõe-se à sua criação e muitas vezes surgem publicamente responsáveis governamentais israelitas enquadrados por um mapa em que a Palestina já não existe.

Gaza está arrasada e os mortos não param de aumentar, 70 por cento dos quais mulheres e crianças, sem contar com os que estão nos escombros. Nunca tantos jornalistas, funcionários das Nações Unidas e pessoal de saúde foram vítimas num conflito. Ao mesmo tempo e à boleia do drama em Gaza, na Cisjordânia prossegue a guerra dos colonos contra os palestinianos, que continuam a ser mortos, expulsos das suas terras, desapossados dos seus bens, sem qualquer escrúpulo de humanidade.

Portanto, a criação do Estado da Palestina, que Portugal sempre defendeu e tem agora um Governo diligente nessa matéria, é um derradeiro grito de apelo para evitar mais mortes, destruição e sofrimento, para que seja dado ao povo Palestino o mesmo direito que o povo israelita já teve e ambos possam ter o seu Estado e viver lado a lado, em paz e segurança.

Mas é preciso o empenho da comunidade internacional e convencer Israel a fazer parte desse objetivo, trabalhando com assertividade e sentido de urgência, devendo a União Europeia, os Estados Unidos e as Nações Unidas estarem na linha da frente da criação das condições para o reconhecimento de um Estado da Palestina viável. Para que acabe de uma vez por todas a agressão, o ódio, a insegurança e uns e outros se respeitem e reconheçam o direito mútuo à existência. Para que a tragédia do conflito israelo-palestiniano não fique como um fardo moral insuportável para a posteridade.

Por isso, consideramos que algumas das propostas aqui apresentadas pelos diferentes grupos parlamentares do reconhecimento unilateral e imediato do Estado da Palestina, apesar de compreendermos a sua intenção, não tem qualquer eficácia e seria diplomaticamente inconsequente, porque não pode haver Estado sem território, sem as fronteiras definidas, sem autonomia, sem
independência para tomar as suas decisões e decidir sobre o seu destino e os seus recursos, sem uma entidade que o administre soberanamente e assim ser integrado no direito internacional e no concerto das nações.

Defendemos que o Governo de Portugal, o atual e o próximo, assumam o compromisso de colocar todo o seu empenho na mobilização do maior número possível de países e instituições para esta causa, criando as condições políticas e o enquadramento internacional adequado para que um Estado da Palestina possa ver realmente a luz do dia.

Paulo Pisco, deputado

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