Quando atentamos ao título deste romance vem-nos à memória a obra do escritor checo, Milan Kundera. A analogia kundereana surge-nos dos títulos “A lentidão” ou a “Insustentável leveza do ser”. Esta analogia fica-se apenas pelo título, apesar de o escritor ser uma das referências literárias do autor.
“O lento esquecimento de ser” é a obra de estreia do jovem escritor Miguel D’Alte. Uma obra com uma escrita muito madura. Com personagens dotados de uma densidade psicológica profunda. Para além da densidade das personagens, a narrativa é enriquecida com reflexões filosóficas sobre a vida e a condição humana. Uma estratégia que confere à obra uma consistência profunda e serve para, de alguma forma, justificar a evolução e os acontecimentos mais ou menos trágicos na vida dos personagens.
A diegese foca-se na vida do escritor Francês Henri Benoit. Do tempo da sua infância, da estadia em Paris, da ascensão, queda e desaparecimento, até ao dia em que um jornalista que teria sido seu aluno na universidade, encontra a notícia da sua morte na capa de um jornal. O romance inicia, justamente, com a leitura da notícia que assinala o desaparecimento do escritor em março de 2001.
Henri Benoit, escritor e personagem principal deste romance, faz parte do grupo de escritores franceses do seculo XIX a quem chamavam “poetas malditos”. Movimento caracterizado por uma geração de artistas que viviam uma vida completamente ausente de regras. Artistas com problemas aditivos de álcool, de drogas e viviam unicamente em função da criação artística, levando, na maior parte das vezes, uma vida miserável. Henri Benoit é, portanto, um escritor fruto de uma infância de violências psicologias e de figuras de referência, ausentes. Vive, nos anos em que se dedicou à escrita, numa febre de criação literária que o faz ignorar as necessidades das pessoas que o amam, distanciar-se das regras e condutas da sociedade e viver constantemente revoltado, numa atitude de não aceitação dos códigos vigentes.
Neste romance assistimos à miséria do fim da segunda guerra, as manifestações de emancipação de maio de 68. Assistimos principalmente à ascensão e perda de um grande escritor.
Entre um discurso na terceira pessoa utilizado para contar a história de vida do escritor e um discurso na primeira pessoa utilizada pelo jornalista, a ação vai ganhando densidade e consistência. Vidas que se cruzam, que se afastam e aproximam como num jogo de espelhos, onde cada um vai descobrindo no outro as suas angústias e as suas dores. As suas ilusões e as suas perdas. Até à aceitação, mais ou menos dolorosa, da efemeridade da vida e dos sentimentos. Do lento esquecimento de se ser gente no meio das gentes.
Narrado a duas vozes, este romance é um romance dentro de outro romance, lembrando ao leitor que cada um tem capacidade de, ao longo da vida, escrever e reescrever a sua história, de pedir perdão, de se redimir das faltas através da criação artística ou literária.
Título: “O lento esquecimento de ser”
Autor: Miguel D’Alte
Edições Trebaruna 2022
São Gonçalves