Lusodescendente November Ultra: do Tik Tok à consagração em França
Quem andou pelo Tik Tok nos últimos dois anos não pôde escapar à sua voz quente e melodiosa, ela que é a autora de “Come Into My Arms”, uma das canções mais republicadas e reutilizadas nos famosos duetos da rede social mais habitada pelos nossos jovens.
Autora, compositora, intérprete, November Ultra, aliás Nova, aliás Mélanie Pereira, nasceu em França em 1988, de uma mãe espanhola, da região de Múrcia, e de um pai português, de perto de Coimbra. Cresceu em Boulogne-Billancourt, nos arredores oeste de Paris, formou-se em Linguística, fez estudos de tradução e interpretação audiovisual, estudou piano durante onze anos no Conservatório (também toca guitarra), e numa entrevista revela inclusive que acabou o 12° ano português.
Começa na música a partir de 2013, como letrista e vocalista do trio de electro pop Agua Roja, com quem obtém bastante sucesso, apesar da vida curta da banda, já que o grupo se separa em 2018. Pelo caminho cruza-se em Paris com Jaden Smith, na gravação do segundo álbum do filho de Will Smith, participando como voz adicional na canção “Pain”. Jaden gosta tanto que a convida para lhe compor um futuro álbum.
Incontornável no Tik Tok
Mélanie, ou melhor, Nova, como lhes chamam os amigos, lança uma primeira canção a solo em 2018, “Over & Over & Over”, e responde agora pelo nome artístico de November Ultra, inspirado no seu mês de nascença (novembro) e a mixtape “Nostalgia, Ultra”, de Franck Ocean. Adere ao Tik Tok em 2019, onde revela que começou a trabalhar num álbum.
Publica as suas canções naquela rede social, canta em espanhol e francês, mas sobretudo em inglês. Também interpreta canções de artistas como Billie Eilish, Radiohead, Gilberto Gil, Ariana Grande, Abba ou Harry Stiles, bem à sua maneira particular, por vezes com vibrato, outras num fiozinho de voz frágil e suave como um anjo intemporal e transcendente. E até encontramos no seu Tik Tok – pérola das pérolas -, a canção “Amar pelos Dois”, de Salvador Sobral, interpretada num português impecável, mesmo se a lusodescendente revela numa entrevista que era a língua que menos falava em casa, já que com o pai fala sobretudo francês.
E, apesar das suas canções melodiosas e poéticas, como “Soft & Tender” (2020) ou “Miel” (2021), serem num estilo soft electro pop ou retro jazz, por vezes até com laivos de anos 1950 com Audrey Hepburn a espreitar, completamente ao arrepio das atuais tendências musicais que os jovens seguem nas redes sociais, November Ultra começa logo aí a granjear uma rede de fãs incondicionais.
“Come Into My Arms”
Mas é graças a sua canção de embalar, “Come Into My Arms”, que a cantora grava num vídeo com pouca luz, em maio de 2021, que vai pegar fogo aos tiktokeanos do mundo inteiro, que rendidos à sua voz lhe vão valer mais de dois milhões de visualizações em poucos meses, um êxito imediato do Brasil à Europa, do México aos Estados Unidos. A cançãozinha tem apenas 59 segundos, mas é partilhada e republicada milhares de vezes pelos internautas e várias redes sociais. O sucesso é tal que os seguidores exigem uma canção completa à artista, que acabará por ceder aos fãs no verão de 2022, com direito a videoclipe animado e tudo, dois minutos e dezoito de pura poesia.
“Escrevi este pequeno interlúdio para me acalmar a mim mesma, partilhei-o por pensar que poderia acalmar outros. Nunca pensei que a minha canção encontrasse caminho até aos vossos corações. Obrigada por construírem uma casa à volta da canção e dentro dela”, confiou na altura a artista na sua conta Tik Tok.
Na rede de streaming de música Spotify, as suas canções foram visualizadas em mais de 180 países e escutadas mais de 13,5 milhões de vezes.
Prémios e vitórias
Graças ao seu sucesso na internet, a artista lança em 2021 um EP, ”Honey Please Be Soft & Tender” e é convidada para fazer a primeira parte dos concertos das cantoras francesas Clara Luciani e Pomme. Em abril de 2022 sai finalmente o seu álbum de estreia com originais seus, “Bedroom Walls”, pela Virgin Records. Em julho desse ano participa no Festival de Jazz de Montreux, e em setembro vence o Prémio Joséphine, na Maison de la Radio, um prémio atribuído por músicos franceses a músicos franceses.
A consagração chega em fevereiro de 2023 quando vence o Prémio Revelação Feminina do Ano na cerimónia “Victoires de la Musique”, os prémios mais prestigiosos da música em França. Acaso do destino ou não, a cerimónia de entrega dos prémios decorre na Seine Musicale, uma sala de concertos situada em Boulogne-Billancourt, onde cresceu.
As vitórias de November Ultra são múltiplas. Primeiro porque conseguiu este estrondoso êxito com uma imagem nos antípodas dos estereótipos plásticos pré-formatados das outras cantoras de sucesso da atualidade. Dança, canta e toca nos seus vídeos no Tik Tok, assumindo completamente a sua imagem. Depois, porque venceu sem “padrinhos”, como a sua mãe gosta de dizer, num meio seleto e ultracompetitivo, sendo filha de uma porteira e de um pedreiro, operários e imigrantes.
Vitória ainda porque conseguiu este sucesso longe dos ritmos da moda, num estilo muito próprio, à imagem da sua sensibilidade. A imprensa britânica compara-a a Jeff Buckley ou Adele, mas diz que a luso-espanhola-francesa tem mais coragem do que a britânica porque não se deixou seduzir pela corrente mainstream. A imprensa musical francesa, como os Inrockuptibles, também não lhe poupa elogios.
A sua música é denominada de “bedroom pop”, ou seja uma espécie de “pop pijama”, (ouso eu inventar em português), já que como a própria diz compôs a maioria das suas canções no quarto e em pijama. Tem influências assumidas de folk, jazz, r’n’b e até da copla espanhola e das comédias musicais dos anos 1950 e 1960. A estética dos seus videoclipes é “lolipop”, gulosa, colorida, onírica, muito cor-de-rosa e cinematográfica. Há quem ache piroso. Há quem pense que é exatamente o que assenta que nem uma luva às suas canções melancólicas e intimistas, que são todas simplesmente sublimes.
Neste momento a cantora tem uma agenda completa de concertos em toda a Europa, Estados Unidos e Canadá, alguns já esgotados, como em Chicago, onde se viu obrigada a abrir uma segunda data. Passou pela Rockhal, no Luxemburgo, em 29 de janeiro. Em Paris atua em 5 de abril, na La Cigale (esgotado) e em 17 de novembro, no Olympia. Mais perto de nós, tem um concerto agendado em Arlon (Bélgica), no dia 3 de maio (Aralunaires).
José Luís Correia 07032023
Os videoclipes:
“Come Into My Arms” – (82) November Ultra – come into my arms (official video) – YouTube
Soft & Tender (82) november ultra – soft & tender (Official Video) – YouTube
Novembre – (82) November Ultra – novembre – YouTube