De que está à procura ?

Colunistas

Liberdade na pandemia

Momentos de reclusão são potenciais oportunidades de reflexão. Para quem não compreendeu que a pandemia foi também um freio na humanidade, ainda está em tempo de refletir sobre.

Inicialmente, além das incertezas da nova doença, o pequeno pensamento era: quanta vida para ser vivida, quantas aventuras para mergulhar, mas um vírus impede de desfrutar o mundo lá fora.

Depois, a angústia de ver planos serem desfeitos pelo tão poderoso invisível.

Chega então um outro nível de vivência: o processo de se ver cada vez mais distante da vida pré pandemia, da prisão estética e dos velhos hábitos em geral. As unhas ficaram naturais como nunca. O corpo foi perdendo a estrutura de meses e meses de treinos. A pele agradeceu pelas folgas dos produtos de beleza e a sobrancelha mostrou para que veio. Cabelos e barbas, então, cada vez mais evidentes. Fomos nos identificando, vendo pessoas reais e o natural delas. Para quem não dominava a arte de tratar desses detalhes sozinho, se enxergar diferente dos antigos padrões passou a ser perturbador. Um salve aos profissionais da estética, como são necessários! Mas, a pausa era ainda mais. A breve ausência dos padrões estéticos trouxe novas formas de pensar e viver.

Agora, um pouco mais distantes da vida antiga e mais perto de quem realmente se é.

Pois bem. Por um momento, eu pensava que a pandemia estava me roubando de mim. Liberdade, viver intensamente e experimentar novidades pareciam desejos que haviam se perdido nos tempos estranhos das máscaras e do álcool em gel. Por sorte, há diversas maneiras de sentir a liberdade.

Na minha fase rebelde da adolescência, onde tudo que eu mais queria era ser livre – mesmo sem saber exatamente o que isso significava – ouvia que isso nunca seria possível, porque regras e limites existem, e a obrigação de segui-los fazia a total alforria ser inalcançável. Só que liberdade vai muito além de não dar satisfações ou fazer tudo que se quer, sem limites.

Ser livre é exatamente se permitir experimentar todas as suas versões. É conquistar o próprio mundo e ter nas mãos o único controle possível: o de saber exatamente quem se é. É aprender, todos os dias, um pouco mais sobre você. É saber como é seu corpo sem treinos pesados, suas unhas sem esmaltes e seus pelos os na vida real. É não ser escravo de si mesmo. É saber que o sol da manhã revigora, que ansiedade precisa ser controlada não necessariamente com chocolate e que por mais tempero que se coloque no macarrão integral, ele continua muito ruim. Compreender o mínimo de você é o primeiro passo para se conhecer por completo.

O convite que chegou bateu na minha porta foi este. Achei por bem compartilhar com você que pode ser que ainda esteja na fase em que eu já estive. Aquela da angústia e da sensação de ter a vida e as experiências roubadas pela pandemia.

Conquistar o mundo é sim possível e sentir uma liberdade coerente, também. Mas não sem antes conquistar o próprio mundo, que de todos, é o mais importante.

Hoje eu digo para Marianinha adolescente que conquistar o mundo e ter a plena liberdade nada mais era do que viver as diversas versões de si mesmo. Todo dia é um novo dia para repensar o sentido da vida e ter certeza de como é bom que ela seja bem vivida.

E espero que você descubra, assim como eu descobri: dá pra conquistar o mundo e ter uma liberdade plena trancado em casa, com unhas sem esmalte, barbas mal feitas, corpos naturais e sobrancelha por fazer.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

TÓPICOS

Siga-nos e receba as notícias do BOM DIA