Nascido e criado em Campo Maior, Hugo Caldeira passou de processar vistos a vender vinhos alentejanos ‘premium’ em Xangai, capital económica da China, à medida que a pandemia da covid-19 interrompeu a sua ocupação original.
“Há males que vêm por bem”, disse à agência Lusa o empresário, de 31 anos, radicado na China desde 2014 e cofundador da importadora Lusus Wines. “Neste caso, a pandemia abriu-me as portas para o comércio de vinhos”, explicou.
O negócio começou como atividade extra, em parceria com uma sócia chinesa radicada em Portugal. Primeiro, com vendas para amigos, até que a “palavra começou a correr” e, em menos de um ano, Hugo Caldeira já estava a fornecer restaurantes em Xangai, a megametrópole do leste da China.
“Durante o dia trabalhava no escritório de uma agência de processamento de vistos de viagem e, à noite, vendia vinho”, contou.
A pandemia da covid-19 ditou uma troca de prioridades: o encerramento das fronteiras da China, até então o maior emissor de turistas do mundo, paralisou a emissão de vistos, mas, ao verem-se privados de viajar, “muitos chineses acabaram por procurar produtos importados, como forma de satisfazerem a necessidade de explorar algo internacional”, contou.
O duro bloqueio de dois meses de Xangai, durante a primavera de 2022, no âmbito da estratégia chinesa de ‘zero casos’ de covid-19, foi outro convite à bebida: “No primeiro dia de confinamento vendi 250 garrafas”.
“Bastou escrever uma mensagem na [rede social] WeChat: ‘se alguém quiser vinho, fale comigo’. Imediatamente, recebi centenas de pedidos”, recordou. “Nesse dia, foi só carregar caixas escada acima, escada baixo”.
O empresário vende sobretudo vinhos alentejanos de gama alta. O mais caro custa 2.190 yuan (280 euros).
“Não vendo quantidade, só qualidade”, vincou. “Não vale a pena estar a competir pelo preço ou volume”.
“Há muitos países que têm capacidade de produção superior a Portugal. Eu tento fazer quantidades mais pequenas, mas de produto diferenciado. Isso é muito fácil encontrar em Portugal: temos muitíssima qualidade nos vinhos”, descreveu.
O negócio, feito sobretudo ‘online’, é facilitado pelos serviços de logística da China, que estão entre os mais desenvolvidos do mundo. O país asiático é responsável por cerca de metade do conjunto mundial de vendas pela Internet.
Os vinhos de Hugo Caldeira são desalfandegados no porto de Xangai, a maior infraestrutura portuária do mundo, e transportados para a província vizinha de Jiangsu, onde os custos de armazenamento são mais baixos.
“Como a logística da China funciona muito bem, mesmo estando noutra província, eu consigo pedir o vinho hoje e amanhã está aqui em casa”, explicou.
Um exército de estafetas garante entregas dentro da cidade, que soma 25 milhões de habitantes, num período de cerca de 30 minutos, mas, por vezes, o português leva ele próprio o vinho aos clientes.
“Se for preciso, entrego eu: tenho uns sacos grandes, que dão para levar 18 garrafas de uma vez”, contou.
Este atendimento personalizado permite-lhe fazer recomendações a clientes que não estão familiarizados com o vinho português.
“Pergunto o que é que costumam beber, eles dão-me linhas gerais e faço uma recomendação. O nosso vinho é também muito versátil e conseguimos sempre encontrar algo que agrada”, explicou.
Xangai é a mais próspera e cosmopolita cidade chinesa. Foi lá que nasceu a indústria, o cinema e o Partido Comunista Chinês. É também a “capital do consumo de vinho na China”, apontou o empresário.
Formado em mandarim pelo Instituto Politécnico de Leiria (IPL), Hugo Caldeira viveu em Macau e Pequim, antes de se mudar para Xangai, onde começou por trabalhar para o escritório da Delta café, empresa com sede na sua terra natal, e casou com uma local.
“Considero-me um privilegiado por viver aqui”, resumiu. “É, provavelmente, uma das mais dinâmicas e diversas cidades da Ásia e do mundo”, disse.