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Pioneirismo nunca!

No âmbito da campanha eleitoral para a Presidência da República, a candidata Maria de Belém Roseira declarou há dias a sua oposição pessoal à legalização do testamento vital e do suicídio assistido (numa crónica anterior, tive oportunidade de caraterizar estas duas situações: o «testamento vital» consiste em o cidadão, numa fase lúcida da sua vida, declarar que prescindirá de tratamentos médicos inúteis se vier a encontrar-se em estado de doença incurável e terminal; no «suicídio assistido», a medicina ajuda um doente a morrer, por sua livre vontade e obviamente mediante uma série de rigorosos trâmites; o suicídio assistido não deve confundir-se com a eutanásia, que consistiria em tirar a vida a alguém, independentemente da sua vontade, ainda que por razões humanitárias).

Importa sublinhar que não é meu objetivo contestar a legítima posição de Maria de Belém nesta matéria. Tem a sua opinião, que deve ser respeitada, e não é por, pessoalmente, eu ser favorável à regulamentação jurídica daquelas duas matérias que me sinto autorizado a vilipendiar discordâncias. O que mais me chamou a atenção foi antes um dos argumentos que a candidata alegou: é que, segundo ela, só dois ou três países avançaram já com o enquadramento legal do testamento vital e do suicídio assistido, presumindo-se, consequentemente, que seria extemporâneo Portugal dar passo idêntico.

É facto indesmentível que o pioneirismo nunca foi caraterística marcante entre nós, seja qual for o domínio que consideremos: artes, ciência, tecnologia…

A exceção foi aquele momento da nossa História, no final da Idade Média, em que tomámos a iniciativa, na expansão marítima europeia que, pela primeira vez, «globalizou» o planeta.

As grandes explorações não foram um exclusivo da Europa: sem falar dos grandes impérios da Antiguidade (macedónios, romanos), já os árabes tinham transposto os limites da sua península, conquistando todo o litoral do Mediterrâneo, colonizando a costa oriental da África, chegando à Pérsia e à Índia, imprimindo um cunho indelével na Ásia Central, contactando a China. E nem falo dos chineses, que terão igualmente navegado pelo Índico e, afirmam alguns, estabelecido contactos com povos africanos até ao Golfo da Guiné. Poderia também citar os fenícios e os gregos, que percorreram e colonizaram o Mediterrâneo e, transpondo as Colunas de Hércules, terão provavelmente contactado o litoral europeu ocidental. Ou os víquingues, presumivelmente os primeiros europeus que chegaram ao continente americano. E sabe-se que, para venezianos e genoveses, o Oriente era ponto de contacto frequente (Marco Polo e a Rota da Seda são testemunhos indesmentíveis). Mais longe, do sueste asiático, partiram populações malaias que, lentamente, colonizaram os esparsos arquipélagos do Pacífico e, sustentam alguns, poderão até ser os antepassados dos incas e outros povos que, séculos mais tarde, os europeus viriam a encontrar na América do Sul.

A verdade, porém, é que nenhuma dessas expedições, por muito longe que tenha ido, logrou uma escala universalizante. Foram, por assim dizer, feitos limitados, circunscritos a porções do globo, mais ou menos extensas mas que não o uniam. Em alguns casos, como o da presumível chegada dos chineses ao Golfo da Guiné ou a dos víquingues à América, tratou-se de fenómenos historicamente inconsequentes: por outras palavras, admitindo que ocorreram, pouco ou nada influíram no rumo da Humanidade.

Aconteceu então que, por alturas do século XV, a Europa ocidental atingiu o ponto crítico (em termos tecnológicos) que lhe permitiu empreender expedições marítimas de longo alcance. Já os genoveses, os aragoneses, os árabes, comerciavam por todo o Mediterrâneo e até pelo Atlântico norte, quando em Portugal, sob a iniciativa de um príncipe real, se adotou como política de Estado, como estratégia superiormente planificada, a exploração do mundo transatlântico. Estava inaugurada a era das grandes navegações, a era dos chamados Descobrimentos, a partir da qual todas as principais partidas do mundo estabeleceram contacto, o planeta se identificou como tal e a primeira globalização autêntica ocorreu. Com o desenvolvimento das sociedades humanas, a globalização era inevitável. Teve páginas negativas, mas estas não lhe eram intrínsecas. E, se a liderança na globalização tem raiz claramente europeia, a Portugal cabe incontestavelmente a glória de a ter inaugurado. Seguiram-se-nos, em breve, os espanhóis e, pouco mais tarde, os ingleses, os holandeses e outros povos europeus; mas a Portugal ficou para sempre associado um indesmentível pioneirismo.

Ora, depois do apogeu, veio a decadência. E nunca mais a nação portuguesa protagonizou qualquer feito internacionalmente notável; nunca mais se caraterizou pela inovação, nas artes ou na ciência. Talvez essa mediocridade seja difícil de obviar, dadas as crónicas limitações materiais de um país pequeno e pobre no contexto europeu e ocidental. Em contrapartida, as reformas sociais oferecer-lhe-iam excelente oportunidade para assumir uma posição de vanguarda, sem lhe exigir o fundo de desenvolvimento e poder material indispensável ao brilho noutras esferas em que por sistema faz figura menor. Porém, mais do que as limitações materiais, o que nos tolhe é a resignação a um papel de eternos imitadores do que «lá por fora» se faça. Pior do que a resignação — a preconização do secundarismo: não queiramos dar passadas maiores que a perna; vejamos primeiro em que param as modas; e, se uma ideia ganhar impulso, então — só então — atraquemo-nos a reboque.

 

 

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