“escrevo mares num cansaço agitado e dialogante
fiel aos ventos e maresias desnudadas de infidelidades
em águas benéficas e parágrafos sintonizados
escrevo cadastros de um diário inconclusivo
mas comprometedor da ética frontal”
“Mares encrespados” é a mais recente recolha de poesia do poeta José Luís Outono. Num registo quase diarístico o poeta denuncia, numa linguagem fortemente metafórica, os excessos do seu país e dos governantes, instiga a dúvida e incredulidade nos olhares menos atentos.
O mar é para o poeta José Luís Outono ou seu confidente, o seu interlocutor direto, o companheiro das divagações e questionamentos.
Toda a sua obra poética é fundamentada neste diálogo íntimo e quase secreto com a força dos oceanos, a turbulências das vagas. A calmaria das marés. Escrever o mar é escrever a dinâmica da vida, a sua beleza,
a sua transitoriedade, as várias ambivalências inerentes à passagem do homem na terra. No título do livro “mares encrespados” o poeta denuncia um estado de alma agitado, irritado, ondas que se agigantam num turbilhão de incredulidades, de incertezas. O adjetivo confere à metáfora do mar essa incompreensão, essa irritação ao estado em que se sente e se lê o reflexo do quotidiano. É no presente que o poeta se inspira, contudo, há uma nostalgia do passado que o assola de quando em vez. Uma imagem do passado que é necessário preservar, uma maresia de memória e silencio.
“chamei-te maresia do meu iodo saudoso
E ouvi um silvo de um mar respeitador
Meras leituras de falésias perdidas
Em ventos solitários, a reais codificados
No mapa da interrogação constante
Uma silaba dizia-se coerente com a batuta do silencio”
Os poemas constroem-se numa linguagem codificada, como já referi, numa semântica acentuada em relação ao mar, mas também, numa linguagem reflexiva, semiótica. Por vezes, temos a impressão, ao ler os poemas, de estar a consultar um dicionário, um manual que é de entendimento, mas também de sobrevivência e compreensão dos males e das incoerências da realidade nacional. Sobretudo as incoerências dos agentes mais diretos, sejam eles governantes, legisladores, economistas, jornalistas etc…
Pressente-se ao longo dos poemas um questionamento latente, um diálogo constante com o eu que observa, reflete. Por vezes a dúvida instala-se. Todavia, é nas coordenadas de um mar amigo, companheiro
que o poeta encontra as respostas.
Os poemas do poeta José Luís Outono são um universo de interpretações, de imagens, de códigos, onde cada leitura se faz e refaz num quotidiano de imperfeições, de vozes e silêncios. Mas sobretudo nesta capacidade inexplicável de criar beleza e arte nos cenários humanos por onde olhar atento e perspicaz do poeta se pousa.
“Mares encrespados” de José Luís Outono
Poética edições, 2019