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Em defesa da língua-mãe portuguesa: O português de Portugal

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Clique para ampliar Estas minhas reflexões contra o chamado “Acordo Ortográfico” em nada põem em causa o meu respeito e consideração pelo povo brasileiro, pelo qual sinto admiração e afecto. Mas, não é por isso que aceito e estou de acordo com a uniformização irracional e utópica da língua portuguesa sob a bandeira e égide do Brasil – possivelmente o país da lusofonia onde se fala e escreve pior o português!

O português foi levado para o Brasil pelos Portugueses, não foram os Brasileiros que o introduziram em Portugal. A língua-mãe é o português de Portugal, não o português do Brasil. Nenhum país europeu que tenha espalhado a sua língua pelo mundo abdicaria alguma vez da sua soberania a nível do ensino da mesma. Só um povo subserviente como o povo português, perante tudo o que vem do estrangeiro, pode permitir tal acto!

O inglês também é diferente consoante é falado e escrito no Reino Unido ou nos Estados Unidos e noutros países de expressão inglesa, contudo, não deixa de ser o idioma do Reino Unido o mais usado como referência internacional, e é o inglês do Reino Unido que é ensinado no British Council. O inglês foi levado pelos Ingleses para os Estados Unidos, não o inverso. O Reino Unido é o depositário da língua-mãe inglesa, ao mesmo título que a França é a depositária da língua-mãe francesa, a Alemanha da língua alemã, não a Suíça ou a Áustria.

O portugês é uma língua latina. O latim, ao misturar-se com as línguas autóctones, evoluiu (na realidade, involuiu, pois a nível do latim houve uma degradação devida ao iletrismo dos soldados romanos que difundiram o latim pelos territórios conquistados e ao analfabetismo dos povos conquistados que o assimilaram) para dar línguas diferentes – as línguas românicas e, no caso específico que nos interessa, o português. Também a variante brasileira acabará inevitavelmente por evoluir para uma língua distinta da língua portuguesa. E isto, por mais acordos linguísticos que se estabeleçam. A chamada “evolução” de uma língua deve-se, na realidade, a um processo originado pelo iletrismo e pela ignorância.

Aristóles chamou “gramma” à unidade básica da linguagem, na qual incluía a fonética e a escrita. A gramática é diferente, a fonética é diferente, a ortografia tem de ser, inevitavelmente, diferente nas duas variantes, portuguesa e brasileira. A escrita não pode ser desassociada da fonética, do mesmo modo que esta não pode ser isolada do pensamento. Uma transcrição em alfabeto fonético das variantes portuguesa e brasileira mostrar-nos-á facilmente a diferença.

Ou será que nós, Portugueses, vamos ser obrigados a mudar também a nossa fonética – do mesmo modo que nos querem obrigar a mudar a grafia – para ficarmos em sintonia com o Brasil e o seu “Acordo Ortográfico”?

Vamos passar a dizer Antônio, cromossônico, atômico, crônicas e por aí adiante, passando as palavras esdrúxulas com a tónica “o” aberta a ser pronunciadas como se a vogal fosse fechada?

Passaremos a abrir sempre a vogal “a”, quer ela seja aberta ou fechada, para pronunciarmos e escrevermos à brasileira, como na frase “está chegando à hora”, em que não se sabe se é no sentido de se “chegar a horas=chegar a tempo de” ou “chegar a hora=chegar a ocasião de”? Ou, noutro exemplo “… com produtos à partir de…”?

Já que foi “aceito” pelos Portugueses este belo exemplo de acordo ortográfico, por que não passarmos a dizer também “gostaria de convidar-lhe” em vez de “gostaria de convidá-lo” (ah! o uso das formas pronominais enclíticas parece não ser fácil para toda a gente), “Venha! Estaremos te esperando?” E o mesmo se passa em “veja e partilha dicas”. Exemplos destes, em que na mesma frase se trata o interlocutor por tu e também por você, consoante a forma verbal mais fácil, seriam infindáveis.

Já agora, poderíamos dizer também “papai Noël” em vez de “Pai Natal”, “marrom” em vez de “castanho”, “óleo de oliva” em vez de “azeite”, e até mesmo “azeite de oliva” (como se “azeite” não significasse por si só, exactamente, o óleo extraído da “oliva”=azeitona); “életron” em vez de “electrão”, “próton” em vez de “protão”, “trilhão” em vez de “trilião”, e passo adiante; vamos passar a fazer uma “enquete” em vez de “inquérito”, “deletar” (por um pouco era deleitar…) em vez de “apagar” ou “eliminar”? Sem falar em que o “fato” passará a ser “terno” (que ternura…), pois “de fato, o melhor é o fato ser de fato um terno ou acaba por ser difícil de vestir”; e se “você para para ver se no fim do ato ato as fivelas dos sapatos e ele passa a mão pelo pelo do cão”, é melhor não pensar nisso ou então fica todo baralhado sem saber de fato qual o pelo e ato em questão, mesmo quando para para pensar . Até sinto um “frissom” perante tanto disparate e ignorância!

Temos ainda o “Egito”, o mesmo país a que os Portugueses costumavam chamar “Egipto”. E pergunto-me se vamos passar a dizer “Egícios” em vez de “Egípcios”? Já agora, poupávamos mais uma letra, como também em “suntuoso” e outras barbaridades linguísticas do género.

Pergunto também: as frases “para o carro” e “andamos depressa e ainda apanhamos o autocarro” o que querem dizer? Segundo, o novo acordo, não podemos saber exactamente, pois ambas podem ter dois sentidos completamente diferentes. A primeira tanto pode ser uma ordem para parar o carro (pára o carro), como uma ordem para se ir para o carro (para o carro). Quanto à segunda, tanto pode ser uma acção que se passou no passado (andámos depressa e ainda apanhámos o autocarro), como uma acção presente e futura (andamos depressa e ainda apanhamos o autocarro).

Para aqueles defensores do acordo que alegarem que o sentido se deduz pelo contexto em que as frases estão inseridas, responderei que os papagaios também sabem usar palavras e frases.dentro do contexto correcto, mas não é por isso que sabem falar uma língua.

E agora que temos uma mulher a presidir à Assembleia da República, será que vamos passar a dizer “Presidenta”, como no Brasil?

Estes exemplos são “de fato” para rir, mas penso que chegam para mostrar o ridículo da situação. Perante tantos erros que ouvimos pela boca dos nossos políticos e jornalistas, sem falar dos nossos universitários, claro que mais disparate, menos disparate de acordo ortográfico, possivelmente, acaba por não fazer grande diferença…

Um “aborto” ortográfico como este só pode ter acontecido porque o mesmo foi “fruto de um longo trabalho da Academia Brasileira de Letras e da Academia das Ciências de Lisboa” (citação tirada do Portal da Língua Portuguesa). Apesar da muita consideração que me inspiram os membros da Academia das Ciências de Lisboa, permito-me pôr em dúvida a competência que têm para tomar parte neste processo cujo resultado está à vista.

Quanto aos linguistas portugueses que tenham participado neste processo chamado “Acordo Ortográfico”, então certamente tiraram o curso do mesmo modo que o nosso ex-primeiro ministro se licenciou em engenharia. Um “aborto” ortográfico como este só pode servir interesses obscuros, em circunstância alguma a língua portuguesa.

Quanto aos representantes do Brasil, compreende-se que tenham querido impor a sua variante brasileira como língua normativa. Os Brasileiros estão de tal modo habituados a que os Portugueses deixem nas suas mãos todas as representações internacionais da língua portuguesa (praticamente todas asseguradas pelo Brasil ) que estranhariam se, pelo menos uma vez, os Portugueses abdicassem dessa sua subserviência numa questão de tão alta importância para a língua portuguesa. Um assassínio como este da língua portuguesa só pode acontecer porque os Portugueses têm deixado desde há alguns decénios que seja o Brasil o representante da língua portuguesa no mundo, facto que é facilmente verificável.

Já os anteriores acordos foram outros tantos abortos ortográficos – que o nosso grande poeta Fernando Pessoa se recusou sempre a seguir e que, curiosamente, os Brasileiros também não puseram em prática. Agora, contudo, querem impor estas novas regras, não menos aberrantes. Se os nossos governantes pensam que com este novo acordo tornam a língua portuguesa mais acessível a estrangeiros e de maior impacto no mundo, desenganem-se. Línguas germânicas como o inglês e latinas como o francês têm conservado o mais possível a etimologia das palavras; não “evoluiram” como o português porque o seu nível educacional é muito superior ao do povo português. Ao procedermos no sentido inverso em relação à língua portuguesa, esta tornar-se-á mais difícil para os estrangeiros e mesmo para os próprios Portugueses. Não é por acaso que a procura do ensino da língua portuguesa no estrangeiro já baixou em cerca de 25%, e continuará a descer.

Por outro lado, não é baixando o nível linguístico do português que o tornamos de maior interesse para os outros. As pessoas gostam de se elevar, não o contrário. Com este acordo ortográfico estamos a condenar a língua portuguesa que, de língua literária das mais antigas da Europa, passará ao nível de um dialecto. Já basta o deficiente grau de aprendizagem e consequente degradação da língua portuguesa que existe actualmente em Portugal; não a rebaixemos ainda mais. Duas das línguas consideradas mais difíceis são o finlandês e o japonês, contudo, são países onde as capacidades na leitura e na escrita são das mais elevadas.

Baixar o nível literário de uma língua não facilita a sua aprendizagem, bem pelo contrário. Só regras bem definidas e claras poderão assegurar o sucesso de qualquer acto, seja ele do fórum da escrita, da leitura ou da informática. E a linguagem informática veio mesmo confirmar que as regras são para seguir, pois uma vírgula, um ponto final, um ponto e vírgula ou outro sinal serão o suficiente para que nada funcione se forem mal colocados.

Também na linguagem escrita, igualmente uma vírgula muda todo o sentido da frase. Dou como por exemplo “Não queremos saber” e “Não, queremos saber”. O sentido das duas frases é radicalmente oposto pelo simples facto de se usar uma vírgula. Mas com a linguagem oral e escrita o problema torna-se ainda mais delicado, pois temos de considerar, além disso, o seu aspecto subjectivo. Deveria haver novo acordo, sim, mas para repor alguns acentos e mesmo consoantes que foram retirados quando do anterior. Tanto mais que essas consoantes se pronunciam em Portugal, como Egipto ou actividade, ou estão lá por alguma razão, como acção.

Não é pelo número de falantes que uma língua se torna importante no mundo. O francês, com os seus quase 70 milhões de falantes, e o italiano, com pouco mais de 60 milhões, são línguas muito mais importantes no contexto internacional do que o português com os seus 240 milhões de falantes.

O que dá prestígio a um país e à sua língua é a postura do seu povo e dos seus governantes, e quando estes não se respeitam a si próprios nem valorizam a sua própria cultura – da qual a língua faz parte integrante – esse país não merece a consideração dos outros povos, logo, a aprendizagem da sua língua não tem interesse. A baixa mencionada acima, de mais de 25% que se registou na procura do ensino da língua portuguesa por estrangeiros, é uma evidência.

Quem esfrega as mãos de contente com este acordo ortográfico absurdo são certas editoras portuguesas e brasileiras que vêem nele uma mina de ouro. Quantos milhões de euros vão ser deitados ao lixo com o novo acordo? E quantos milhões vão ser precisos para editar novos livros e implementar esta aberração ortográfica?

Só posso desejar que o Senhor Presidente da República, a Assembleia da República e o governo português – a quem estou a enviar este texto em carta-aberta – reconsiderem esta vergonha nacional que se chama “Acordo Ortográfico” e o anulem.

Dulce Rodrigues
www.dulcerodrigues.info

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