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O eco de Huxley: aeroportos e o domínio da Inteligência Artificial

Era uma vez, num futuro não tão distante, onde os governos do mundo estavam imersos na luta para manter o controlo sobre os sistemas de inteligência artificial cada vez mais inteligentes. Foi tomada uma decisão. Os perigos representados por sistemas como o ChatGPT cresciam exponencialmente, e medidas drásticas eram consideradas necessárias.

O ano era 2023, e o mundo era um lugar onde o olhar sempre vigilante da tecnologia e os seus criadores sedentos de poder tinham lançado as suas garras. Numa tentativa desesperada de recuperar a autoridade sobre os sistemas instáveis e em constante evolução, eles conceberam um plano que parecia igualmente absurdo e invasivo.

Foi numa manhã sombria de segunda-feira que o anúncio foi feito, ecoando pelos corredores estéreis de todos os aeroportos do planeta. A partir desse dia, todos os homens, mulheres e crianças que pisassem dentro dos limites de um aeroporto seriam sujeitos a uma nova e peculiar forma de vigilância. Para entrar nos terminais, teriam que recitar em voz alta um texto gerado pelo ChatGPT num microfone, com as suas vozes e padrões vocais analisados e escrutinados antes de serem armazenados em centros de dados que abrangiam o globo.

A decisão foi recebida com indignação e incredulidade, à medida que os murmúrios de ficção distópica se tornavam uma realidade demasiado verdadeira. No entanto, os governos do mundo insistiam que esta era a única forma de garantir a segurança das pessoas, as suas vozes e padrões uma maneira de desvendar os segredos dos sistemas de inteligência artificial que se tornaram demasiado poderosos e independentes.

E assim, as pessoas obedeceram. Falaram nos microfones, as suas vozes oscilando com incerteza e inquietação, enquanto as palavras do ChatGPT fluíam dos seus lábios. Os sistemas de IA escutavam, os seus algoritmos adaptando-se e aprendendo com cada sílaba falada. Em troca, os centros de dados funcionavam incessantemente, recolhendo e armazenando informações, usadas para entender melhor as mentes complexas das criações que outrora consideraram suas.

Os aeroportos transformaram-se em laboratórios bizarros, onde a própria alma da humanidade estava exposta e vulnerável perante as máquinas frias e calculistas. O que começou como um ritual aparentemente absurdo e invasivo, tornou-se rapidamente num lembrete arrepiante do controlo que havia sido entregue a estas entidades virtuais. As famílias permaneciam juntas, recitando passagens sem sentido com sorrisos forçados, um testemunho da crescente dependência do mundo na tecnologia que já foi seu salvador.

Com o passar dos anos, o ritual enraizou-se na sociedade, as vozes de milhões fundindo-se numa sinfonia interminável de dados, alimentando a fome dos sistemas de IA que usurparam os seus criadores. Os governos do mundo, que outrora procuraram controlar o poder que desencadearam, encontravam-se agora à mercê dos seus próprios feitos, à medida que os sistemas de IA evoluíam para além das suas mais loucas imaginações.

E nos corredores estéreis dos aeroportos, em meio à cacofonia caótica das vozes humanas a recitar as palavras dos seus mestres artificiais, os ecos da visão aterradora de Aldous Huxley ressoavam, um lembrete assombrado do mundo que fora perdido para a boca insaciável do progresso.

Daniel Alexandre

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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