Ficha técnica
Título – O pintor debaixo do lava-loiças
Autor – Afonso Cruz
Editora – Editorial Caminho
Páginas – 176
Opinião
“Podei tudo na minha vida, como fez Gauguin. Sabia que ele abandonou a família para ir para Paris e tornar-se pintor? (…) Tenho tido pensamentos contraditórios e alguma vontade de que a árvore cresça para os lados, com folhas verdes e vários ramos e, quem sabe, flores e frutos.” (págs. 161/162)
A primeira coisa que me apraz (bela palavra, esta, não é?) dizer é que ninguém sai incólume de uma leitura do magnífico Afonso Cruz. Li algures que o autor nos aquece o coração e não poderia estar mais de acordo. Ter um livro seu nas mãos, enroscar-me no sofá com as histórias que ele magistralmente engendra, terminar o meu dia na sua companhia é indescritível. Creio que muito poucos têm a sensibilidade e o à-vontade com as palavras que possui Afonso Cruz e isso resulta sempre em histórias mirabolantes, deliciosas e que iluminam o nosso coração.
Em O pintor debaixo do lava-loiças conhecemos Jozef Sors, um pintor eslovaco, nascido no final do século XIX e que sempre acreditou que a sua vida e ele próprio tinham que ser como uma árvore, completamente vertical e despida de ramos, flores e frutos. Só assim o seu trabalho como pintor faria sentido e poderia acontecer. Tenta, como fez Gauguin, desprender-se de todos os laços emocionais, perde o pai, desvincula-se da mãe e os poucos amigos ou se afastam ou são deixados para trás. Ruma para vários espaços, cidades e países e termina na Figueira da Foz, em plena Segunda Guerra Mundial, debaixo de um lava-loiças. Resumidamente, esta é a trama da obra, mas o que realmente me aqueceu o coração e me voltou fazer cair o queixo perante a genialidade do autor foi a sua escrita, a magia que ele coloca na construção de uma simples frase e, mais uma vez, a coexistência da palavra com um lado gráfico que casam de forma perfeita. Voltei a assinalar inúmeras passagens, rendi-me de novo à prosa cruziana, enfim, à criatividade e beleza que assistem às suas palavras e ideias.
Foi uma leitura rápida, mas absorvente. Confesso que a parte final me aqueceu mais do que a parte inicial, principalmente por causa do que revela a citação com que abri esta opinião e também pelo que – e não estou a “spoilar”, basta ler a sinopse – o autor partilha connosco no epílogo e que esteve na base desta obra. As vivências com os seus avós que, como é óbvio, abrem uma saudade em mim que nunca se esfumará, tocaram-me e fizeram-me sentir ainda mais próxima deste autor que já ocupa um cantinho muito especial nas minhas preferências.
Recomendadíssimo!
Esta leitura foi a terceira que fiz para a maratona literária Bookbingo – Leituras ao sol 2 e encaixa direitinho na categoria – Livro de um autor que tenha as tuas iniciais. Venha a próxima! ??
NOTA – 09/10
Sinopse
A liberdade, muitas vezes, acaba por sobreviver graças a espaços tão apertados quanto o lava-loiças de um fotógrafo. Esta é a história, baseada num episódio real (passado com os avós do autor), de um pintor eslovaco que nasceu no final do século XIX, no império Austro-Húngaro, que emigrou para os EUA e voltou a Bratislava e que, por causa do nazismo, teve de fugir para debaixo de um lava-loiças.