Conheci, pelos anos setenta, recém-casados. Ambos empregados, que levavam vida modesta, mas desafogada.
Alugaram bonito apartamento, nos arredores da cidade do Porto. Eram simples e felizes: amavam-se.
Felizes… até ao momento, que, para obterem melhor rendimento, assentaram que um deles (o marido) fosse frequentar a Faculdade para obter diploma que lhe desse oportunidade de ocupar cargo mais rendoso.
A mulher andava radiante: “Meu marido anda a estudar, e vai ser doutor!” – dizia ela, às colegas, da empresa, onde trabalhava, como supervisora fabril.
Pelo facto de estar empregado e frequentar a escola, o jovem, passava muitas horas fora de casa.
A mulher, por seu lado, sempre que podia, fazia horas extraordinárias, já que as despesas aumentaram, com a compra de livros, sebentas e transportes.
Assim decorreram os anos. Mal se falavam. As horas de convívio, eram praticamente ao jantar e de manhã, durante o pequeno-almoço.
Por seu lado, o marido, criou novos amigos e amizades, com colegas, com condiscípulos da Universidade.
Rapidamente verificou que os novos companheiros eram mais evoluídos culturalmente, do que a esposa, que apenas possuía o quinto ano, obtido com grande dificuldade.
Também desgostava-se de a ver trajada, modestamente, e sem elegância.
A pouco espaço, verificou que ela não o podia compreender. Sua capacidade intelectual era reduzida e ainda menos os conhecimentos.
Tentou “reeducá-la”, mas tal atitude provocava tensão, e muitas vezes, acabavam a discutir, atacando-se mutuamente.
Entretanto, colega da Faculdade, a pretexto de estudarem juntos, certas matérias, começou a insinuar-se.
Não era propriamente uma beleza, mas falava bem e tentava compreende-lo.
Terminado o curso, e realizada a festa final, a amiga convidou-o a morarem juntos.
Já lhe tinha passado esse pensamento pela cabeça mas temia a reacção da esposa.
Certa noite, em que chegaram tarde, depois de ter ido com a amiga ao teatro, resolveu dizer à mulher a sua intenção.
Não teve, porém, coragem de o fazer oralmente. Levantou-se cedo e deixou, sobre a mesa da cozinha, um envelope com os dizeres “Para ti”.
A mulher abriu o sobrescrito, curiosa, e ao ler as primeiras linhas as lágrimas saltaram-lhe dos olhos: era a despedir-se.
Declarava que sendo ela ignorante, simples trabalhadora, nunca poderia compreendê-lo…
Contava ela, mais tarde, a íntima amiga: “Ajudei-o a formar-se. Trabalhei como uma burra, e vendo-se com o canudo, troca-me por outra, que só o quer por ser doutor!”.
Tudo que narrei é verdadeiro. Passou-se na cidade do Porto, no último quartel do século XX. Trago-o aqui, para lembrar que não se pode manter o casamento, quando um dos conjugues evolui culturalmente e não é acompanhado pelo outro.
O amor morre, quando não há convívio diário, troca de ideias e gostos semelhantes.
A paixão extingue-se com o tempo. Fica, porém, a amizade, a luta conjunta pela sobrevivência, quando os gostos, interesses e a cultura se mantêm afins.