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Schiphol

Poucas vezes me sucede isto. Estou no aeroporto, e acabo de ser brindado com um atraso de umas três horas. Quando passamos a vida a correr e a pensar como melhor gerir esse fluir que se transformou no nosso bem mais precioso, ficamos absolutamente assustados com umas simples horitas que não vão estar preenchidas de coisa nenhuma – pelo menos, aparentemente, no normal conceito de transformar o invisível tempo em visíveis tarefas.

Corri o dia todo as ruas de Amesterdão. Claro que fui ao Red District. Claro que fui aos canais. Claro que fui à Casa-Museu de Rembrandt. Claro que também fui à Catedral que passou de católica a calvinista ainda no século XVI. Mas, sobretudo, bebi rua, comi passeios, senti asfaltos e empedrados que dão base a uma imensidão de vida que, isso sim, é “a cidade”.

Fiz todo o centro antigo a pé. Não entrei num transporte público. É assim que eu sei conhecer uma identidade. Embrenhando-me nela. Passando pelas ruas, pelas ruelas, pelos becos. E pelas esplanadas, é claro. Cruzei-me com milhares e milhares de pessoas que “são” a tal d’ ”a cidade”. Elas são a vida, o movimento, a razão de tudo o mais.

Passei por gente a chorar, por gente a rir, por gente a beijar, por gente, simplesmente, a passar, tal como eu. A variedade de rostos foi das mais abundantes. Nem sei como os descrever. Precisaria de uma paleta de muitas e muitas tonalidades para dar a cada uma delas a sua especificidade. Em cada um desses rostos não vi o coração anunciado, mas negado, do ditado popular. Mas na junção deles, vi e senti o pulsar da urbe, como se cada um fosse uma parte essencial de um emaranhado de artérias sanguíneas que se cruza em todos os sentidos.

Hoje senti-me verdadeiramente viajante. De rua em rua, nada orientava os meus passos, senão o simples e fundamental, ir andando. E andei. Por vezes, passei onde já antes tinha estado. Outras vezes, fui a novos sítios. Por fim, dominei o espaço, conheci a sua geografia.  Foi de um sabor estrondoso, virar uma esquina e lá estar exactamente o que esperava que estivesse!

Não conheço a cidade como a palma das minhas mãos – tanto mais que essas, não as conheço mesmo… -, mas larguei o mapa. Conheci com os olhos. Descobri os museus pelas sinaléticas nas ruas e nas portas. E ao fim do dia, ao vir apanhar o comboio para o Aeroporto de Schiphol, estava cheio do aroma da cidade e da sua vida. Vim satisfeito. Não farto, mas com a visão adaptada a uma nova paisagem.

Sim, depois de viver assim uma cidade, passamos a ser outros. Alguma coisa, por pouco que seja, ficou em nós após esse exercício de perder a noção do tempo e do espaço, e de nos entregarmos ao correr dos pés. Tanto se aprende, tanto se vê e se sente, que nada pode ficar exactamente igual.

Amesterdão ficou num pouco de mim. Hoje, muito. Amanhã, menos. Mas, nunca, nada.

É essencial ser-se viajante algumas vezes na vida. Não turista, viajante. É diferente.

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