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Emigração também é culpada pela abstenção, dizem especialistas

A participação dos eleitores nas legislativas de 4 de Outubro terá sido melhor do que indicam os números oficiais, em que a abstenção atingiu um novo recorde histórico de 43%. Como noutras eleições, por detrás do valor da abstenção oficial há um outro número, discutido por politólogos que estudam o comportamento eleitoral, que se pensa estar mais próximo da abstenção real.

Tudo porque continua a haver uma discrepância significativa entre o número de cidadãos que constam dos cadernos eleitorais e o número efectivo da população residente com idade para votar. Segundo a estimativa mais recente do INE, a população residente com 17 anos ou mais – aquela que já podia votar nestas legislativas – era no ano passado de 8,6 milhões (8.659.201), inferior ao número de pessoas que constam dos cadernos eleitorais: 9,4 milhões (9.439.711). E daqui resulta um grande número de “eleitores-fantasma”, que ronda os 780 mil, revela o jornal Público.

A principal explicação apontada por especialistas ouvidos pelo Público tem a ver com o número de emigrantes permanentes que constam das listas eleitorais da sua secção de voto em Portugal, embora não compareçam às urnas porque residem no estrangeiro. Com a criação do cartão de cidadão, o recenseamento eleitoral é automático através da morada portuguesa. Um factor ao qual se soma a desactualização dos cadernos eleitorais (nomeadamente o número de pessoas falecidas que ainda estão nas listas). E, no caso particular das últimas legislativas, acresce o facto de terem saído do país cerca de 395 mil pessoas entre 2011 e 2014, segundo as estimativas publicadas pelo Observatório da Emigração.

António Salvador, director-geral da empresa de estudos de mercado Intercampus (que realizou os inquéritos de opinião diários das legislativas para o Público, TVI e TSF), sublinha que, para chegar ao número da abstenção real, há variáveis mutáveis em jogo, desde logo os fluxos de migração.

Quando abrem as urnas, já há um nível de abstenção que resulta desta discrepância, a chamada abstenção técnica. Jorge de Sá, professor do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) e director técnico do centro de sondagens da Aximage, admite que a abstenção real nas legislativas deste ano tenha rondado os 34%, que se aproxima “dos valores que encontramos na Europa”.

“A ideia de que existe uma desactualização dos cadernos não é a mais correcta. Pode haver alguma, mas as maiores discrepâncias resultam do facto de muitos emigrantes terem cartão de cidadão e, por isso, entrarem no registo como eleitores [em Portugal]”, diz o investigador.  A isso, enquadra, “acresce o número de emigrantes recentes, que também não terão vindo em massa de propósito votar nas eleições, até porque para muitos foi uma saída um pouco amarga”.

Quando emigram, os portugueses podem registar-se no consulado do país de destino mas sem se recensearem lá. É isso que acontece com a larga maioria: segundo os dados mais recentes do Observatório da Emigração, em 2012, em França, havia 509 mil pessoas com nacionalidade portuguesa, mas nos cadernos eleitorais deste ano só constavam 40 mil; dos 263 mil portugueses na Suíça, apenas 9500 se recensearam; na Alemanha eram 127 mil residentes, mas apenas 14 mil inscritos para votar; dos 90 mil emigrados no Luxemburgo, apenas 1472 se recensearam. A lista de exemplos é longa.

A larga maioria dos emigrantes continua recenseada em Portugal por desleixo e por “interesse”, diz Jorge Miguéis, secretário-geral adjunto da Administração Eleitoral (AE) – para poderem caçar quando vêm de férias, por questões de património imobiliário, etc.. E porque tanto a inscrição no consulado como no recenseamento não são obrigatórios. Depois, dos poucos que estão lá recenseados, ainda menos votam. A CNE e a Secretaria de Estado das Comunidades têm feito campanhas de sensibilização mas de pouco valem. Só no Brasil tem surtido efeito, talvez porque a recente emigração é de portugueses com mais qualificação académica.

Residuais nas contas são as situações de pessoas hospitalizadas que, por limitações temporais ou de procedimento, não conseguem fazer o voto antecipado, ou de cidadãos presos que acabam por também não o fazer antecipadamente. O impacto é pouco significativo – de “umas décimas” – diz o director técnico da Aximage, Jorge de Sá, autor de Quem se abstém (Campo da Comunicação, 2009). Este ano houve um aumento dos pedidos de voto antecipado nas prisões, confirma Jorge Miguéis, que o atribui ao “factor Sócrates”. Apesar dos milhares de folhetos enviados para as prisões, há ainda uma grande fatia dos 14 mil presos que pensam, erradamente, que não têm direito de voto.

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