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A minha primeira vez no Luxemburgo

Primeiro estranha-se e depois entranha-se, muito. Assim que aterrei no aeroporto de Findel, um enorme placard luminoso fazia publicidade a um qualquer serviço financeiro disponível em terras do Grão-Duque. Estava dado o tiro de partida para tudo o que seguiria. Nas torneiras a água corria quente, à saída descobri que não havia Uber, mas sem problema – a recolher-me tinha uma amiga de longa data, portuguesa, que há semelhança de tantos jovens emigrou em busca de novas oportunidades e de melhores perspetivas de vida, no rescaldo do período de intervenção da Troika.

Dali até Schifflange, a viagem fez-se sem percalços numa das estradas que liga este país que mais não tem do que uns 80 Km na vertical e uns 50 Km em largura – sensivelmente metade da área ocupada pelo Algarve. Nos dias que se seguiriam, iria tentar descobrir os encantos de um dos destinos mais consolidados da emigração lusófona.

Uma colónia de Portugueses

É inevitável. A presença da comunidade portuguesa, mais do que evidente, é robusta e musculada. Os portugueses estão em todo o lado e ainda bem. Seja nas limpezas ou nas construções, na restauração ou na Administração Pública, é quase uma inevitabilidade encontrar alguém com um perfil lusófono.

Para efeitos de análise, pouco importa se isto é uma coisa boa ou uma coisa má. Gustavo (nome fictício) trabalha numa fábrica há quase 4 anos. Quando chegou ao Luxemburgo, fez um esforço consciente por contrariar o risco de exclusão e aprender francês. Hoje, o seu valor na empresa é reconhecido e valorizado, com um acréscimo de responsabilidades (e consequente compensação remuneratória).

De facto, nesta como em tantas outras conversas que fui tendo com conterrâneos, a matriz repetia-se: o Luxemburgo é um país onde ainda existem oportunidades de crescimento profissional, onde a progressão nas carreiras é efetiva, onde os direitos dos trabalhadores são em regra respeitados e as horas de trabalho extras, os turnos noturnos e os feriados são pagos adequadamente.

O salário mínimo ronda os 1900 € líquidos e o salário mínimo qualificado (para quem tem Diploma) anda na casa dos 2400 € líquidos. Não é preciso ser um grande génio da matemática para perceber que estes números são 3 a 4 vezes superiores aos praticados em Portugal. E se é verdade que o custo de habitação no Luxemburgo é mais elevado, o esforço financeiro é, em proporção, manifestamente inferior. Esta ideia é depois facilmente corroborada por uma simples visita aos supermercados onde, de uma forma genérica, os custos dos bens essenciais são muito semelhantes aos praticados em Portugal.

Uma cidade autêntica, cosmopolita e conectada

Património da Humanidade, o Luxemburgo é uma cidade pitoresca, onde a cada esquina há um enquadramento digno de um postal. A diversidade faz-se manifestar na Arquitetura, através de um encontro harmónico entre o antigo e o moderno. Este equilíbrio é, aliás, um bom reflexo da sociedade luxemburguesa.

Numa posição de absoluta centralidade europeísta, o Grão-Ducado do Luxemburgo afirma-se inequivocamente nas dimensões de Multiculturalidade e Conectividade. Com cerca de 170 nacionalidades a residir ou trabalhar no país, o Luxemburgo faz da Diversidade uma das suas forças motrizes. Num contexto de crescentes movimentos populistas em regiões circundantes, o Luxemburgo dá à Europa um exemplo de abertura, espírito progressivo e humanista. O seu primeiro-ministro, assumidamente gay, tem sido uma fonte de resistência ao protecionismo e ao racismo, sendo publicamente reconhecidas as suas posições de repúdio em relação à relutância de países como a Itália em acolher os refugiados.

Pelo que tive oportunidade de apurar, o Luxemburgo tem feito um esforço por se reorganizar e conseguir dar respostas ao extraordinário aumento dos fluxos migratórios, ainda que com consequências, que à data não são possíveis de antever com grande precisão.

A capital é sede, naturalmente, dos seus Ministérios e dos tribunais, mas também um centro de instituições europeias como o Parlamento ou o Banco Europeu de Investimento. É um centro financeiro, onde a banca e as seguradoras são omnipresentes e as soluções são praticamente infinitas para uma miríade de clientes: desde a banca de retalho à assessoria a algumas das maiores holdings mundiais, o Luxemburgo é também um centro tecnológico, onde podemos encontrar empresas como a Microsoft, a Amazon, o Ebay ou a Paypal.

Ora a presença robusta destas empresas retroalimenta uma procura crescente de mão-de-obra altamente qualificada que reforça ciclicamente a multiculturalidade e dimensão cosmopolita da cidade e do país.

Com um dos mais elevados PIB per capita mundiais, o Luxemburgo torna-se também uma praça natural para o setor de luxo, particularmente para marcas que se posicionam entre o Accessible Core (Gucci, Louis Vitton), o Premium Core (Cartier, Rolex) ou o Superpremium (Patek Phillipe).

Por outro lado, o Luxemburgo afirma-se no eixo da Conectividade, seja pela já referida localização de privilegiada centralidade europeia, seja pelas infraestruturas rodoviárias, ferroviárias e tecnológicas. A rede de estradas assegura tanto a comunicação interna como a ligação aos Estados limítrofes: França, Bélgica e Alemanha. Esta conexão é determinante para a movimentação transfronteiriça de largas dezenas de milhares de trabalhadores que diariamente acrescentam valor e riqueza no Grão-Ducado.

Mas uma das grandes surpresas reside na qualidade da rede ferroviária. Com um surpreendentemente número de ligações por hora, a rede ferroviária desempenha um papel crucial para a coesão territorial e qualidade de vidas dos seus residentes. É possível viver a trinta ou quarenta quilómetros do centro da capital, beneficiando dessa forma de preços de habitação mais acessíveis e ainda assim conseguir deslocar-se de forma cómoda e com ganhos muitos substanciais na qualidade de vida. Neste caso, ter um carro (com todos os custos associados) é meramente opcional.

Com um bilhete de apenas 2€ é possível viajar durante duas horas entre diferentes trajetos da rede de comboios e autocarros e com o bilhete diário, o número de comutações torna-se ilimitado por apenas 4€. É caso para dizer que as políticas de transportes funcionam e funcionam muito bem, porque são públicas, e sendo públicas, é o Estado que determina a sua gestão tendo em vista o bem comum dos seus cidadãos. Romanticismos ou ideologias à parte, vejamos um exemplo prático.

Era Sábado à noite e na estação de Hamillius, dezenas de jovens e menos jovens esperavam o autocarro. Quando entrei e ia para pagar o bilhete, o motorista informa-me de que aquele percurso era gratuito. Sim, gratuito. Aos Sábados são normais as saídas à noite. As saídas à noite podem e geralmente implicam consumos de álcool. Consumos excessivos conduzem a acidentes. Ora, qual é o custo de um acidente? Além dos danos físicos, são necessários reboques para remover as viaturas da via pública, ambulâncias para transportar os feridos para os hospitais, desgaste de recursos e afetação de meios humanos e em última análise um aumento de encargos com prestações sociais que possam decorrer da incapacitação para o trabalho. Portanto, em vez de atuar para remediar, porque não atuar preventivamente e assim conseguir uma melhor eficiência dos recursos?

Esta lógica de inegável pragmatismo sobrepõe-se a uma mera apologia do papel providencial do Estado. É racional, lógica e funcional esta intervenção que, naturalmente, só é possível quando o Estado tem poder de decisão sobre as infraestruturas de mobilidade.

Finalmente, no que toca à conectividade tecnológica, o Luxemburgo prepara-se por esta altura para dar as boas vindas ao 5G, o que evidentemente vai reforçar a posição de vanguarda, no advento da Internet das Coisas, da Automação e para o aceleramento da denominada Quarta Revolução Industrial, com efeitos transversais a todas as áreas do conhecimento.

Desafios e Oportunidades

As gruas coabitam na paisagem luxemburguesa. Seja nas estradas, nas ferrovias ou na edificação imobiliária, o Luxemburgo parece ser um país eternamente em obras. Talvez isso justifique a presença de tantos portugueses no setor da construção. Enquanto o ritmo se mantiver haverá trabalho.

Ainda assim, nem tudo são rosas e o Luxemburgo já não é o que era – assim ouvi em diversas ocasiões. Há portugueses a passar dificuldades pelas mais diversas razões. Para quem chega, a inclusão num país com três línguas oficiais (luxemburguês, francês e alemão) exige esforço e determinação, uma vez que em alguns setores de trabalho menos qualificados é possível viver a vida inteira sem pronunciar uma palavra noutra língua. Até porque os colegas e as chefias falam português e ao final de um dia de trabalho árduo, que forças restam para aprender uma nova língua? O CASA – Centro de Apoio Social e Associativo, por exemplo, é uma das mais reconhecidas instituições portuguesas no Luxemburgo e um ponto de paragem obrigatória e fundamental nos mais diversificados contextos: profissionais, sociais, desportivos ou culturais. Além de toda a informação disponível, ministram cursos de línguas por forma a promover a inclusão dos recém-chegados e estão na linha da frente da ação social junto dos portugueses que mais necessitam.

Com uma expressão tão grande da comunidade lusófona num meio cosmopolita de acentuada produção e fruição cultural, convém lembrar que hoje, mais do que nunca, a nossa identidade não se cinge ao fado, ao folclore ou às tunas académicas e que, em face do amadurecimento de uma segunda e terceira geração de luso-descendentes, existem, pois, desafios e oportunidades que importam ser objeto de reflexão.

A Luxembourg Art Week, que tive oportunidade de visitar, é um bom exemplo da forte aposta do governo luxemburguês, através do seu Ministério da Cultura, mas também em estreita colaboração com entidades como o Casino e da Agência Luxemburguesa de Ação Cultural e de patrocinadores robustos nos setores da banca, seguradoras e operadores turísticos. Além da promoção dos artistas luxemburgueses, o diálogo permanente com as regiões vizinhas propicia o reforço do intercâmbio cultural e do aumento consubstanciado da produção cultural. De resto, abundam as propostas de concertos, exposições e conferências pela cidade e pelo país. A existência de infraestruturas como o Mudam ou o Rockhal potenciam a atratividade e competitividade do território junto dos principais agentes culturais.

Neste contexto, mais relevante se torna para os agentes da Diáspora a operacionalização de uma linha de ação que favoreça por um lado o fortalecimento e a vivacidade da comunidade portuguesa e que por outro, tire partido deste contexto favorável para a promoção e internacionalização dos talentos da nova geração de produtores culturais portugueses. E isto só é possível com acção concertada. A boa notícia é que existe no Luxemburgo uma rede forte de portugueses destacados nas mais diversas áreas e instituições vocacionadas para tais desafios, nomeadamente o Centro Cultural Português – Camões. Existem ainda meios de comunicação de expressão lusófona como o Bom Dia, o jornal Contacto e a Rádio Latina. São plataformas como estas que agregam em si o capital mediático e relacional para gerar visibilidade e alavancar este desígnio de promoção nacional.

Afinal de contas, a Diáspora é feita num diálogo, que se quer permanente, entre “os portugueses de cá e de lá”. As instituições existem, a vontade existe e não há dúvidas de que o talento português está vivo e recomenda-se, pelo que o desafio reside essencialmente na colocação em marcha de uma estratégia concertada que permita agregar, dinamizar e afirmar a Lusofonia pela via cultural.

Foi uma visita curta e, com certeza, limitada na experiência e perceção. Todavia, prevalece uma sensação de proximidade e familiaridade com uma região que parece também um pouco nossa, um reconhecimento pelos testemunhos de empenho e, em alguns casos, de sacrifício de tantos compatriotas que ali decidiram estabelecer morada tendo em vista um futuro melhor. Foi uma visita curta, mas com a lembrança de que de Lisboa a Findel são três horas de distância.

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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