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Ygor Kassab: o resgate de nossa memória artística

Formado em Comunicação Social pela Universidade Paulista (UNIP), há mais de uma década Ygor Kassab tem-se dedicado ao estudo da história de nosso teatro, cinema  e televisão. É autor de dois livros de poesia, “As linhas da alma (2018) e “O aroma intenso das pétalas” (2019), assim como da biografia da atriz Ruth Souza, “Ruth de Souza a menina dos vaga-lumes” (2021). Comanda no Youtube o canal Ygor Kassab – Por Arte, no qual entrevista artistas pioneiros de nosso país.

Quando se deu o despertar para a necessidade do resgate da memória artística de nosso país?

O despertar da importância sobre as pesquisas que fazia na internet e nos livros sobre os artistas pioneiros, ocorreu na adolescência. Antes, ainda na infância, vivia pesquisando informações sobre a vida dos artistas, mas não sabia muito bem o que estava fazendo, apenas sentia dentro de mim um amor pela vida humana, ainda mais quando essa vida relacionava-se com a arte. Eu queria saber mais e mais, havia um descontentamento em saber apenas aquilo que estava ali, em frente aos meus olhos. Só depois, com uns 15 anos, entendi o quanto era necessária a pesquisa de resgate cultural, porque além de dar valor aos personagens que construíram a base cultural do país, a pesquisa busca sempre preencher as lacunas do país. 

Quais as maiores dificuldades encontradas nas pesquisas históricas que tem realizado sobre o teatro, o cinema e a televisão no Brasil?

As dificuldades estão no acesso às informações. Algumas instituições e centros culturais dificultam esse acesso, colocando impedimentos burocráticos para que o público possa ter conhecer seus materiais. Caso precisemos de uma cópia do material ou fotografia, o processo é ainda mais moroso. 

No mergulho em torno de nossa história artística, que descobertas foram mais surpreendentes e gratificantes?

Sem dúvida, a história rica e envolvente de tantos artistas brasileiros foi sempre o que mais me chamou a atenção. Pessoas desbravadoras, que sem todas as tecnologias atuais e, na maioria das vezes, sem patrocínio, conseguiram grandes feitos. Dulcina de Morais, Procópio Ferreira, Jaime Costa, Eva Todor, Maria Della Costa, Cacilda Becker, Sérgio Cardoso, Nidia Lycia, Nicette Bruno, o Teatro Experimental do Negro, Fernanda Montenegro e o Teatro dos 7, bem como tantos outros que construíram suas próprias companhias, deixando um legado enorme para as  gerações seguintes. Numa época em que o espetáculo vivia da bilheteria, foi gratificante saber que essas pessoas são brasileiras, assim como eu, dando orgulho a mim como compatriota e como profissional de cultura. 

O que dizer da conservação de nossa memória nos arquivos públicos?

Acredito que a memória cultural e histórica do país ainda não recebeu o devido valor. Muitos teatros, centros culturais e museus ainda sofrem com a degradação e pouco incentivo público. Em um país onde a educação é tão desvalorizada, eu não poderia sequer imaginar uma conservação efetiva de nossa história. Claro que existem instituições sérias e que preservam os registros de nossa história artística, mas ainda falta muito para a preservação cultural em nosso país.

Em que momento despertou para a importância da atriz Ruth de Souza, de quem se tornou biógrafo?

Ainda na adolescência, tive contato com uma biografia dela, lançada pela Coleção Aplauso, da Imprensa Oficial de São Paulo. Foi nesse instante, durante o começo da leitura, que me encantei pela figura potente e mágica de Ruth de Souza. Ela era uma senhora atriz, mas era também uma menina sonhadora, cheia de sonhos para realizar. Compreender que Ruth abriu portas e combateu o racismo, por meio de sua arte, foi muito tocante e me despertou a vontade de saber mais e mais sobre ela. 

Dos anos em que perdurou a amizade estreita que manteve com Ruth de Souza, o que destaca?

Destaco as sessões de cinema que fazíamos. Ruth era apaixonada por filmes e quando estava em sua casa, assistíamos a filmes e mais filmes, regados a comentários saborosos da parte dela e do encantamento que tomava conta do meu ser, por estar vivendo aquela experiência mágica com uma pessoa que eu admirava tanto. Pela distância geográfica que nos separava, Ruth no Rio e eu em São Paulo, eu enviava muitas cartas para ela. Uma vez, enviei-lhe um porta-retrato com uma foto nossa. Ela ficou contente e o tempo passou. Quando estive na casa dela, não vi o retrato na bela prateleira onde Ruth tinha livros, fotos e dvds. Por um momento, fiquei triste, pois confesso que gostaria de ter sido colocado naquela prateleira. Mas nada falei. O tempo passou e, em outra ocasião, quando fui até o quarto dela, vi o nosso retrato perto de sua cama. Para mim, naquele momento, não era apenas ela que fazia parte da minha vida, mas que também fazia parte da vida dela. De tudo o que vivemos e de tudo o que li, nasceu a minha vontade de escrever uma biografia dela, que viria a ser “Ruth de Souza: a menina dos vaga-lumes”.

Que papel teve Ruth de Souza na luta contra o preconceito racial em nosso país?

Ruth lutou a vida inteira para mostrar que o negro e o branco devem ter as mesmas oportunidades. Ela fez isso por meio de sua arte, a arte de interpretar outras vidas. A cada novo personagem, ela tentava quebrar os estereótipos, mostrando que o ator negro poderia fazer qualquer tipo de papel e não somente os papéis servis. Durante anos, o personagem negro ficava a reboque do personagem branco, não tinha nem cenário, era sempre um personagem servil. Ruth foi impondo o seu talento para conquistar espaços dignos para ela e para tantos outros atores que vieram depois dela. 

Como tem sido a experiência no canal que criou no Youtube, de  entrevistas com veteranos do teatro, cinema e televisão?

A experiência com o canal tem sido muito gratificante. Minha intenção é enaltecer tantas vidas artísticas pioneiras do nosso Brasil. Sempre digo uma frase que me norteia: se não conhecermos o passado, não faremos um futuro melhor. Então, nós precisamos ouvir o que as pessoas têm a dizer; escutar, principalmente. O canal Ygor Kassab – Por Arte, é uma proposta de imersão na vida dos artistas, mas, sobretudo, na emoção que a arte provoca. 

A poesia, que lhe permitiu escrever dois livros: “As linhas da alma” e “O aroma intenso das pétalas”, surgiu por alguma razão especial?

A poesia surgiu na minha vida como uma forma de expressar aquilo que eu sentia na mais íntima partícula do meu coração. Muitas vezes, sem poder escancarar tudo o que sentia, em diversos momentos da vida e do meu amadurecimento como pessoa, vislumbrei na poesia o poder de falar de outra forma sobre as emoções que me inundavam:

Eu sou um pouco de tudo;
Sou um pingo do nada,
O mundo não é mudo,
E a vida é para ser amada.

Eis uma estrofe minha que resume um pouco dessa expressão toda. 

Novos projetos em andamento?

Sim, tenho um novo projeto de livro. Uma obra que discorrerá sobre o envelhecimento e todas as vicissitudes relacionadas a esse momento da vida. Não posso adiantar muita coisa ainda, mas posso dizer que a narrativa trará muitas reflexões, regadas a bom-humor e amor, por estar vivo. 

Sobre o autor da entrevista: Angelo Mendes Corrêa é doutorando em Arte e Educação pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista. Itamar Santos é mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), professor e ator.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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