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Você faz home office?

Minha primeira “viagem” foi de velotrol. Para quem não conhece, é como uma pequena motoquinha infantil, arredondada, que nem sei ao certo se era minha ou herdei da minha irmã. Daquelas vermelho-alaranjadas, que desbotam com o tempo e de valor acessível.

O fato é que ela me dava acesso. Viajava pelo terraço de casa [ hoje uma de minhas moradas no mundo ], muitas manhãs, mesmo que outros presentes ganhasse, ou que nem mais pedais e guidão ela tivesse – estava toda em osso de seus metais e fim dos plásticos. Ela era A mais bonita. Quando minha irmã me emprestou a dela, que parecia uma motoca amarela e azul, senti que não era A minha. Sabe quando gostamos muito de algo, mas não é pra nós, não tem o nosso jeito? Eu gostava de ver a dela, mas de fora. Era admiração, fantasia, platonismo. Certas coisas são pra gente. Nossas, do jeito e estado e momento em que estão outras não, e isso é ótimo.

Lembro de encontrar um tesouro dentro da ossada frontal do meu. Uma figurinha da Turma da Mônica. Nem sei como parou ali, mas que, em algum momento me fez sentido e talvez fosse uma forma de salvá-la de uma cesta de lixo precocemente. Como um tesouro dentro de uma garrafa à deriva, que eu mesma tinha feito, no passado, presenteando-me, no futuro-presente. Sentimento de duas faces do espelho, a de quem guardou num vão no tempo e de quem resgatou o tesouro de outro, que era eu.

O terraço era o meu mundo. Eu ainda não sabia que alguma viagem estava por vir aos 5 anos de idade. Assim, eu digo que já viajava muito, dava muitos giros. Eu viajava muito, por dentro. Cada planta pelo caminho era uma paragem. Eu dizia que esta seria a última, mas eu desconseguia. Seguia. Só mais uma…

Mesmo depois de ganhar meus primeiros livros: a coleção completa de As Fábulas de La Fontaine, não larguei os pedais. Abraçava-os e carregava comigo. Poderia haver uma pausa, sem tempo suficiente para ter os volumes à estante. Tudo de um fôlego, sempre foi assim.

Sempre vivi com a ideia de que devemos carregar o que é mais importante no mundo conosco. Simulava internamente incêndios, nos quais eu precisava sempre decidir, em poucos segundos, o que realmente importava. Inclusive, se de fato eu cá deveria estar. Entre as muitas coisas que eu queria ter e o muito que eu queria ser, optei pelo experienciar. A missão na Terra precisava seguir [ qual missão? Conversa para outros capítulos ]. Nada mudou. Uso a técnica até hoje, no lema é: somente o que couber na mochila e no coração.

Trabalhei bons anos gastando cinco horas por dia da minha vida em deslocamento entre casa, trabalho, estudos. Fiz de formas geométricas a hipérboles no mapa. Viam-me de longe, atravessando a cidade de ônibus, o mundo, de ônibus, fazendo escala no oceano, dentro de um navio. Contornava os prédios com meus olhos. Os perdi na escuridão que me cegou no mar.

Como rabisquei pelo caminho. Contava semáforos até vomitar. Quando me dão uma tarefa, ela precisa ser cumprida. Mas era só comprida mesmo. Ô… Muitos quilômetros rodados e solas de sapatos. Sapatos muitos. Quase uma centopia em tantos incríveis que pisei pelo mundo. Colori em cliques e looks que me encorajavam a ser incrível todo dia. Acumulei cursos e atividades múltiplas para fugir do rush. Sair “cedo”, dificilmente compensava. Eu precisava viver.

Saía de casa com tudo que fosse necessário para um dia ou mais de imprevisibilidade entre chuva, alagamentos, engarrafamentos, tormentos, mentos. Vai uma balinha? Três por um real. Fones de ouvido no busão e todo mundo mudo. Andar em coletivos nunca foi simples. A insegurança era um fator bem complexo. Ainda é. Pisando no Brasil, não sei mais me comportar como antes. A cada temporada, mais relaxamento sobre nossos pertences. Passamos a ter stress com outras coisas.

O Etérea Design, meu studio, sempre teve esse nome, desde a universidade. Como se já tivesse nascido com vontade própria e eu que fui aprendendo com ele, aos poucos. Fui me encontrando na volatilidade imaterial, mas sempre presente. No campo das ideias, da criação, de busca de soluções e pesquisas.

Das coisas que mais me fazem feliz em minha profissão e ainda, posso ser qualquer outra coisa em outros horários em outras cidades. Ou ainda, sou um monte de coisas além de um ser que rabisca e faz projetos. O dia tem mais horas para ser o que quisermos, especialmente se você está em um país em que as pessoas, com diferentes profissões e formações, ganham similar. O fuso também ajuda a ter mais tempo e torna o processo mais organizado.

A vida de home office parece ser dos sonhos. Poder trabalhar de pijama, pantufa de unicórnio, cabelo antigravitacional. Acho que faz parte de um monte de mudanças que, gradualmente o mundo vem percebendo e adotando. Poder ter um profissional que se especializa e investiga sobre outros lugares pelo mundo ou consultar sua imensa biblioteca e registros de casa [ que era algo que me incomodava e fazia com que eu usasse minhas noites fotografando meus livros e lavando alguns pro trabalho, a fim de ter melhores resultados e insights ]. O importante é o prazo e o compromisso nas tarefas, nas pesquisas,  no corre, que lá vem o trem, despluga tudo, opa, tem um café logo ali, ei, moça, tem wifi? Ufa!

Mais um dia de trabalho. Controle de gastos diário: metas. Sigo a pé para algum lugar e como com amigos, como em casa o que tiver. Leituras e rabiscos que se indefiniram ao longo do dia e agora tomam forma. Encontro mais livros pra minha fila. Inegavelmente é um modelo incrível, mas tem muito mais de mental e emocional envolvido do que queremos ou buscamos considerar para se manter nela. Acredite.

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