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Venha até cá. A Madeira está à sua espera

Não me lembro de ter estado em casa durante dois meses. Eu e milhares de pessoas. A clausura valeu a pena. Estancamos os contágios na Madeira. Por aqui tivemos noventa doentes confirmados com Covid-19. Cinquenta e nove já estão recuperados e, em breve, os outros também estarão. Não temos mortes a lamentar. Zero mortes enche-nos de esperança quando, no silêncio das nossas casas e na aflição dos serviços de saúde, muitos tombavam por este mundo fora. Demasiados continuam a cair.  Esta crise deixa um rasto de desgosto, a que se soma um futuro de angústias e de fragilidades para aqueles que já têm muito a perder. Penso que os próximos tempos serão difíceis, mas superáveis. Temos de olhar para dentro. Do que somos. Do que poderíamos ter sido. Do que não quisemos ser e do que seremos. O resto tem pouca importância. “Carpe Diem. Memento Mori”. Aproveita o dia. Lembra-te que tens de morrer.

Confinada e distanciada dos que me são importantes, aproveitei os dias de isolamento para ver, ouvir, para expurgar o que me faz mal e para fazer o que gostava e o que gostava menos. Li, pensei, escrevi, voltei a pensar, falei com o distanciamento da linha telefónica, orientei os meus estudantes, dei aulas, cozinhei, fiz passeios com os cães, voltei a passar a ferro, escovei a gata duas vezes ao dia e sentei-me a desenhar o meu Verão, com saudades dos amigos. Jardinei imenso e devo dizer-vos que tenho uma bela colecção de begónias.

O melhor sítio para passar férias é o arquipélago da Madeira. Perdoem-me, mas não há discussão possível sobre isto. Uma semana no areal do Porto Santo (aliás, a primeira praia a abrir ao público em toda a Europa) e três semanas na ilha da Madeira. Conhece o areal do Porto Santo?  São 9 km de areia dourada e um dos lugares mais tranquilos de Portugal. Ali, a ilha serve o descanso nas suas águas mornas, com uma lambeca a refrescar as ideias e a lembrar uma tradição, com quase meio século, vendida em cone de bolacha. Por isso, que ninguém me apresse na ilha dourada. O Porto Santo sempre teve a sabedoria de mostrar aquilo que, agora, fomos obrigados a fazer: desacelerar a vida. Ela, por si só, dir-nos-á quando será o último passo a ser dado.

O meu bloco de notas, cujo título é: “Itinerário de Verão 2020 na Madeira”, tem uma capa vermelha com umas expressões árabes que nunca cheguei a saber o que significavam. Mas, dizia eu, que a Madeira é o melhor lugar do mundo para se viver e, se não for um privilegiado nascido cá, para passar férias. Na chegada ao aeroporto, exibimos todos os prémios Gold que já ganhamos. Mesmo que não os tivéssemos ganho, a Madeira continuaria a ser sempre o melhor lugar do mundo para se visitar, tanto pelos que já cá estão como pelos que cá vêm. Naturalmente que sou suspeita. Estarei a falar da ilha que me deu vida e viu crescer.  Foi nesta mesma ilha, fechada a sete chaves durante 60 dias, que cada membro de toda uma comunidade garantiu a sua saúde e a de todos. A dimensão da ilha facilita o combate às doenças e maleitas contagiosas. O oposto também terá que ser admitido. Mas ninguém ter morrido do vírus maldito foi uma proeza de gigante. O povo cumpriu.

Venha até cá. A Madeira está à sua espera. No Paul da Serra irá sentir-se mais perto do céu. É, praticamente, o coração da ilha. Aproveite e desça até ao Rabaçal. Irá encontrar as 25 Fontes e a Lagoa do Vento. Na costa norte, no Porto Moniz, pode ir a banhos nas piscinas naturais. Descanse a prove o famoso arroz de lapas do Seixal. Depois siga para São Vicente e encontrará as suas imponentes montanhas. Creio que Deus nos espreita de lá. Encontrará um túnel que liga a costa norte à costa sul.  Pessoalmente, faria a viagem pelas estradas regionais até encontrar São Jorge. Tem a mais bela igreja do país. Ali, a simplicidade das suas gentes faz-nos cobiçar o tempo. O tempo para um chá e uma torrada e a gargalhada dos amigos. Santana enche-se de cor com as casas típicas de colmo e o sabor do pão quente amassado pela memória.

Em Machico encontrará o orgulho de quem sabe onde toda a nossa história começou.

Foi ali que os navegadores chegaram pela primeira vez à Madeira. Conta-se que a ilha era um bosque tão denso que esteve sete anos a arder. Foi assim que desbravámos caminhos e acessos. Pode ler, sentado no Mercado Velho, sobre a lenda de Machim, ou, simplesmente, meter conversa com um machiquense. Todos eles sabem, melhor que ninguém, explicar esta bela história de amor. Machico, toda a cidade, é um sinal de resiliência e de gente que sabe de que é feita. Prove o gaiado seco e o bolo do caco, feito de trigo produzido na região.

Terá de passar em Santa Cruz para encontrar o Funchal. Desvie o seu movimento e abrace o Cristo-Rei. Na capital, Funchal, terá muito por onde ir. Museus, Zona Velha com as suas portas pintadas, Jardim Botânico, praias, passear na cidade sempre em flor, mas não deixe de visitar a Livraria Esperança, fundada em 1886. Tudo o que os outros não têm irá encontrar nesta livraria. Aproveite e prove, no outro lado da rua, o famoso vinho Madeira. Passe pela Reitoria da Universidade da Madeira e faça a visita guiada, com os nossos estudantes, ao Colégio dos Jesuítas, fundado por alvará do Rei D. Sebastião, em 20 de Agosto de 1569. Passe pela Sé do Funchal, monumento nacional desde 1910, e espreite vagarosamente o tecto. Vale a pena ler o livro História do Funchal, publicado em 2016 pela Imprensa Académica, do meu querido amigo Rui Carita. Aliás, recomendo os livros sobre a História da Madeira da mesma editora. Escrevi em 2014, a propósito do Funchal, que o cosmopolitismo desta cidade foi, ao longo dos tempos, um local de passagem para o gosto alemão, mas também para os flamengos e italianos. Desde sempre, o Funchal foi visto como um centro internacional de negócios (e que, ironicamente, hoje se mantém com outras características na zona este da ilha) e foi pelo açúcar que assumimos aquilo a que podemos chamar de experimentalismo capitalista. Do povoamento no século XV, “que surgiu na sequência do descerco de Ceuta em 1418” (Carita, R. 2013., p.10), ao Funchal do início do século XXI fica sempre patente a “progressiva conquista da autonomia da Região Autónoma da Madeira, cimentada na competitividade do Funchal como um importante polo de Turismo Internacional (idem, p. 237).

Turismo esse que, já no século XVIII, com características terapêuticas e particularmente vocacionado para o tratamento de doenças pulmonares ganhava fama por toda a Europa. Eram as classes mais abastadas que, para fugir ao rigoroso inverno europeu, procuravam nesta região a esperança para a cura dos seus problemas de saúde fazendo com que a Madeira fosse conhecida como um “Sanatorium natural” (idem, p.149). Por aqui passaram escritores, poetas, duques e princesas, rainhas e imperatrizes e foi o governador José Silvestre o “primeiro a sensibilizar as forças vivas do Funchal para as potencialidades da cidade como zona de lazer internacional, restaurando alguns monumentos e zelando pela limpeza geral da cidade e, inclusivamente, pelos hábitos públicos da higiene dos seus habitantes” (idem. p.150)’.

Mas não vivemos apenas de livros. Segue-se a conhecida poncha que exige a sua presença numa das baías mais belas da Madeira, em Câmara de Lobos. Provavelmente, é das cidades da região que mais respira vida. Siga até ao Centro de Artes na Casa das Mudas. Ficará espantado com o enquadramento deste museu que se confunde com a escarpa montanhosa da Calheta. Toda a ilha é um canto com recantos e histórias. Como já não tenho espaço para escrever muito mais, venha até cá. A Madeira é o melhor lugar do mundo para passar férias. Aqui sentir-se-á tranquilo. Não estamos imunes a nada, mas na vida pouco está garantido. Siga as orientações das autoridades de saúde e, se nos cruzarmos, eu pago a poncha.

 

 

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