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Uma caixa, um bloco e muita irrequietude

O caso da Caixa Geral de Depósitos é um dos mais deploráveis episódios do presente governo português. Convidado para presidente do banco do Estado, António Domingues recebe a promessa de não ter de declarar património ao Tribunal Constitucional. Tamanha benesse não podia escapar a uma oposição atenta, à qual logo se juntou o Bloco de Esquerda (que é, defensavelmente, o principal esteio parlamentar do partido do governo: com efeito, se as medidas calculistas do primeiro-ministro António Costa continuarem a angariar-lhe popularidade, o outro esteio, o Partido Comunista, poderá tornar-se dispensável). Diga-se de passagem que, na sua crítica à benesse, o BE não teve grande mérito: percebendo que a situação era por demais escandalosa, bastou-lhe demarcar-se, prudentemente, dela.

O certo é que António Domingues se viu interpelado em termos mais ou menos assim: «tens de entregar as declarações; não julgues que és menos pagante que qualquer Zé». Coerentemente, recusou. Não o tinham convidado com determinada promessa? Esperava que a honrassem.

Bom, resumamos o que já vastamente se debateu: a páginas tantas, o Partido Socialista rói a corda e diz — ele também! — que António Domingues tem de entregar as declarações ao TC, pois claro que tem. Ora o esperto, julgava-se mais que os outros? A consequência foi óbvia: acossado pela oposição e, sobretudo, abandonado pelos próprios que lhe tinham prometido isto e aquilo (além de acossado também por um aliado destes mesmos), demitiu-se — ou melhor, recusou-se a prosseguir num lugar que nem chegara a aquecer. Quanto ao primeiro-ministro António Costa, saiu incólume. Nem beliscadura, nem chamuscadela (consta até que a popularidade continua a aumentar).

Mas a história não acaba aqui. Para substituto de António Domingues na administração da Caixa, o governo escolhe Paulo Macedo. Qual Paulo Macedo? A bête noire da oposição socialista que, na governação de Pedro Passos Coelho, teve a seu cargo o Ministério da Saúde? Esse mesmo! Ou o PS sempre soube que Paulo Macedo era um gestor eficiente, e só o atacava outrora por desonestíssimo oportunismo político, ou o PS continua convencido da justeza desses ataques de outrora e quer, portanto, dar cabo da CGD. Claro que a hipótese mais provável é, de longe, a primeira. O que põe em dúvida a credibilidade desta linha política.

A dúvida que agora se levanta é a reação do Bloco de Esquerda. Que, bem sabemos, é irrequieto. Está ainda fresca a memória do comportamento vergonhoso dos seus deputados, na Assembleia da República, quando se recusaram a levantar-se perante os reis de Espanha em visita oficial a Portugal. Até os deputados do PCP e do partido Os Verdes respeitaram, formalmente, o chefe de Estado de um país amigo. É incontestável o direito do Bloco de Esquerda a preferir um regime republicano a um regime de monarquia (por sinal, também vou nessa: tranquiliza-me mais saber que, de tantos em tantos anos, a chefia do meu Estado muda, por ação do eleitorado; a um regime em que essa função fosse exercida a título vitalício e por herança de pai para filho, responderia «não, obrigado»). O problema é que preferirmos isto ou aquilo para o que nos diz respeito é muito diferente de nos arrogarmos o direito de interferir nas opções alheias. Se o eleitorado espanhol legitimou, por referendo, o regime monárquico, um BE mais responsável abster-se-ia de radicalismos pequeno-burgueses de fachada progressista. Tanto mais que, como também vastamente tem sido apontado, enviou pressurosas mensagens de solidariedade e compunção pela morte recente do autocrata de uma certa ilha da América Central onde a sucessão se fez de irmão para irmão.

O que tem isto a ver com a Caixa? Tem o seguinte: há pouco menos de quatro anos, vários irrequietos, apostados em alardear o seu «progressismo», assumiram como missão boicotar as intervenções públicas de membros do então governo PSD/CDS entoando ruidosamente a emblemática canção Grândola vila morena. Fizeram-no, por exemplo, com Miguel Relvas, protagonista de um escândalo relacionado com alegados diplomas universitários de validade duvidosa (que no atual governo do PS, apoiado pelo Bloco de Esquerda e pela coligação PCP/Verdes, tenha já havido escândalos comparáveis não pareceu mobilizá-los por aí além — simples casualidade, claro está). Mas também ensaiaram a mesma afronta com Paulo Macedo, na altura Ministro da Saúde, a quem as cabeças bem-pensantes acusavam de estar a destruir o Serviço Nacional de Saúde. O grupo de irrequietos não era, expressamente, oriundo do Bloco de Esquerda; mas ninguém se enganava quanto à sua obediência ideológica. É, pois, caso para conjeturar como irá o sempre politicamente correto BE reagir a esta nomeação do «coveiro do SNS» para gestor e saneador do banco estatal.

A ver vamos, mas, provavelmente, António Costa voltará a sair incólume.

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