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Trump 2.0: um líder inconformado a redefinir a ordem mundial?

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Desde que assumiu o seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos, Donald Trump tem desafiado convenções políticas, internas e externas, com um pragmatismo que fascina alguns e inquieta outros. Se no primeiro mandato já tinha causado ondas de choque na geopolítica global, agora, com mais experiência e sem as mesmas limitações políticas, Trump está a acelerar mudanças que obrigam os aliados tradicionais dos EUA – especialmente a Europa – a repensar o seu papel no mundo.

As suas políticas são radicais? Para alguns, sim. Mas serão realmente despropositadas? Ou estaremos perante uma nova visão da geopolítica que, apesar de controversa, pode acabar por beneficiar não só os EUA, mas também o resto do mundo? Com uma determinação implacável e uma abordagem empresarial ao governo, Trump está a forçar a União Europeia a encontrar a sua própria autonomia estratégica, enquanto redefine o papel dos EUA no tabuleiro global.

Reformas internas: ordem ou desconstrução?

No plano interno, Trump iniciou uma autêntica revolução administrativa. Cerca de 200 ordens executivas foram assinadas nos primeiros meses, muitas delas revogando políticas da administração anterior, revertendo regulamentos ambientais, simplificando regras empresariais e reforçando a autoridade das forças de segurança. Estas medidas geraram críticas ferozes da oposição, mas também foram aplaudidas por empresários e setores conservadores que defendem menos regulamentação e um Estado menos intrusivo.

Na área da imigração, Trump endureceu as políticas, acelerando deportações e reforçando as restrições na fronteira. Estas ações são vistas por alguns como um ataque às minorias, mas por outros como um passo necessário para garantir a segurança e reduzir o peso dos imigrantes ilegais no sistema social e de saúde dos EUA. Afinal, poderá um país continuar a ser economicamente próspero sem um controlo rigoroso das suas fronteiras?

A economia americana, apesar do choque inicial das suas medidas, tem demonstrado resiliência. O mercado de trabalho continua forte e o setor tecnológico mantém-se como um motor de inovação global. No entanto, a grande questão é: poderá esta abordagem garantir um crescimento sustentável a longo prazo?

Geopolítica: realismo estratégico ou isolacionismo calculado?

No plano internacional, Trump abandonou qualquer tentativa de agradar às elites diplomáticas tradicionais. A sua abordagem “America First” (América Primeiro) não é apenas um slogan, mas sim uma estratégia clara para fortalecer a economia e a influência americana, sem compromissos considerados desvantajosos.

A guerra na Ucrânia é um exemplo claro desta mudança de paradigma. Trump, que sempre se mostrou cético em relação ao envolvimento dos EUA neste conflito, pressionou a Europa a assumir maior responsabilidade na defesa do continente. A sua posição obrigou a União Europeia a refletir sobre a sua dependência dos Estados Unidos e levou a um debate intenso sobre a necessidade de um exército europeu mais autónomo.

Curiosamente, esta nova realidade pode acabar por ser benéfica para a Europa. A ameaça de um menor apoio americano forçou os europeus a aumentar o investimento na sua própria segurança, reforçando a NATO e diversificando alianças estratégicas. Paradoxalmente, Trump poderá ser o líder que mais fez pela autonomia europeia – ainda que de forma involuntária.

Além disso, o próprio conflito entre Ucrânia e Rússia está a ser afetado por esta nova abordagem. Trump tem afirmado repetidamente que conseguiria negociar um acordo de paz rapidamente, uma promessa que, apesar de aparentemente simplista, pode ter mérito. A sua relação com Vladimir Putin e a sua recusa em seguir as estratégias diplomáticas tradicionais podem, de facto, abrir espaço para uma resolução que os governos anteriores não conseguiram alcançar.

Israel e Palestina: apoio incondicional com consequências?

No Médio Oriente, a política de Trump tem sido inequívoca: um apoio incondicional a Israel. Desde o reconhecimento de Jerusalém como capital até à recente imposição de sanções contra a Corte Penal Internacional por investigações contra Israel, Trump tem demonstrado que não hesita em usar todo o poderio americano para proteger o seu aliado.

O conflito israelo-palestiniano, que já se arrasta há décadas, está a passar por uma fase especialmente tensa, com os EUA a darem carta branca a Israel para ações militares mais agressivas. Mas será que esta postura pode, a longo prazo, forçar uma solução definitiva? Alguns analistas acreditam que, ao permitir que Israel atue sem restrições, Trump pode estar a criar um ponto de rutura que obrigará os palestinianos e outros países da região a aceitarem um acordo de paz mais pragmático.

Se esta estratégia será eficaz ou se apenas alimentará mais conflitos, ainda é cedo para dizer. No entanto, a verdade é que a abordagem tradicional de mediação e concessões suaves nunca conseguiu uma solução duradoura. Talvez uma mudança radical seja o que falta para transformar um impasse em solução. No entanto, a recente polémica de reconstrução de Gaza, enquanto os palestinianos ficariam libertos para se mudarem para outros países vizinhos, tais como o Egipto e a Jordânia, pode ser um ponto de viragem não apenas para o conflito, mas de prosperidade para a região, ao criar condições para uma “Riviera” em Gaza, onde mais tarde os palestinianos possam eventualmente regressar. 

Europa: despertar para a autonomia?

A reeleição de Trump pode ser vista como um choque para a Europa, mas também como um momento de viragem. Durante décadas, os países europeus habituaram-se a viver sob o guarda-chuva protetor dos EUA, sem a necessidade de grandes investimentos militares e com uma política externa frequentemente dependente das decisões de Washington.

Agora, com um presidente americano menos comprometido com as alianças tradicionais, a Europa é forçada a repensar o seu futuro. As conversações sobre uma maior independência estratégica intensificaram-se, e países como França e Alemanha estão a liderar esforços para criar uma defesa europeia mais robusta.

No campo comercial, a União Europeia tem procurado diversificar as suas parcerias, reduzindo a dependência dos EUA e reforçando laços com potências emergentes. A China e a Índia tornaram-se atores-chave neste novo cenário, obrigando os europeus a equilibrar interesses económicos sem comprometer valores democráticos.

Trump pode estar a forçar a Europa a sair da sua zona de conforto. Mas será que, a longo prazo, este choque será positivo? Poderá este “despertar europeu” ser exatamente o que a UE precisa para se afirmar como um verdadeiro polo de poder global?

Um presidente que desafia o status quo

Donald Trump é, sem dúvida, um líder que polariza opiniões. As suas políticas são diretas, pragmáticas e, muitas vezes, desafiadoras para os padrões políticos tradicionais. Mas será que essa abordagem é realmente negativa? Ou estamos simplesmente perante um novo modelo de liderança que obriga os países a assumir maior responsabilidade pelo seu próprio destino?

A Europa, que inicialmente temia a sua reeleição, agora vê-se forçada a crescer, a tornar-se mais independente e a repensar a sua posição no mundo. O Médio Oriente vive uma nova dinâmica que pode levar a uma solução inesperada para um conflito histórico. E os próprios Estados Unidos, apesar das críticas, continuam a ser um motor económico e militar global.

A grande questão que permanece é: será que, no futuro, olharemos para o segundo mandato de Trump como um período de caos ou como um momento de transformação necessária? Se a história nos ensinou alguma coisa, é que as mudanças mais difíceis são muitas vezes aquelas que geram os maiores progressos.

O tempo dirá se Trump foi apenas um líder disruptivo ou um visionário que antecipou um novo mundo multipolar. Uma coisa, no entanto, é certa: a sua influência já está a moldar o futuro de forma irreversível.

António Ricardo Miranda

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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