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Tristes dias amanhecem

Tristes dias amanhecem em nós. É saber da perda. E mesmo tão longe ter dificuldade em respirar. Na minha terra. Tão perto da minha casa. Tanto sofrimento, tanto desalento ao ver as imagens da terra queimada, das vidas que se perderam, daquele nada…

Choca-me tudo. O cinzento. O vazio. O grito espelhado nos rostos dos sobreviventes. O cansaço. A solidão do cão acorrentado agora sem dono. As lágrimas. A falta delas. Aquela estrada que nos entra pela alma e faz doer. A ausência do verde, do canto dos pássaros, das horas que passam devagar. O desespero. A casa ardida quando os Homens tanto nela investiram. Os sonhos desfeitos.

Ainda assim há a coragem desmedida daqueles bravos homens e mulheres que lutam, que não desistem e que farão com que aqueles lugares, agora devastados, renasçam. Está-lhes no sangue, um espírito guerreiro moldado por vidas difíceis, de luta e de superação. A Serra e a floresta também reflorescerão – quem nos dera que pudessem renascer sem intrusos, mas com os seus belos castanheiros, medronheiros, carvalhos, loureiros e outras espécies que lhes são nativas! Os animais voltarão. E os sons e os cheiros. E não guardarão memória deste inferno.

Nós sim. Guardaremos. Na pele. Na alma.

Que sirva de alguma coisa. Que nos sirva para alguma coisa.

Mas detenho-me de desenvolver qualquer aspecto teórico, prendendo-me só neste apontamento: quando estudamos – que foi o meu caso – os assuntos do Território deparamo-nos com a dualidade vincada de Portugal Continental: o Interior e o Litoral, repleta de preconceitos de ambos os lados. Parecemos – num país tão pequeno – de costas voltadas, desunidos, a duas velocidades, sem entendimento mútuo e possível. E quando esta tragédia acontece o que ressalta – mesmo quando estou a tantos quilómetros e vejo tudo acontecer pela lente de outros – é unidade, é solidariedade, é preocupação genuína, expressas em ações concretas: do treinador que oferece 100 mil euros (Villas-Boas), do cantor que oferece o valor da venda dos seus discos (Salvador Sobral), do concerto na MEO Arena, da iniciativa de crowdfunding do Sérgio Gonçalves, das contas solidárias, das casas que os anónimos disponibilizam, das doações aos Bombeiros e aos centros de apoio, dos profissionais que, provenientes de diversas áreas, arregaçam as mangas voluntariamente, etc.

Ver que está a ser unânime a necessidade de ajudar aquelas pessoas (como o Presidente da República disse, “aqueles portugueses de quem menos se fala, de um país rural, isolado, com populações dispersas, mais idosas, mais difíceis de contactar, de proteger e de salvar”) pela sociedade portuguesa e em qualquer ponto do país é reconfortante. E ainda é mais saber, ver, sentir que há sofrimento genuíno, que todos sofremos genuinamente por aquelas pessoas, que no seu desespero e na sua dor não estão sós. Resume-se a esta afirmação do Presidente da República: Somos como um só por Portugal. É muito forte e muito belo este sentimento. E faz cair por terra muito do discurso que nos vendem sobre quem somos. Contra tudo e todos continuamos e muito a importarmo-nos uns com os outros.

Quanto a mim, estou longe. Com um nó na garganta que não se desfaz. E aqui tão longe só queria poder estar no terreno a fazer alguma coisa. E a alma entristece. E a lágrima cai.

Nota: Um OBRIGADA sem medida a todos aqueles que combatem o fogo. São heróis.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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