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Socorro Lira: a arte que reflete o mundo

Cantora, compositora , instrumentista, produtora cultural e escritora, a paraibana de Brejo das Almas, Socorro Lira, é formada em Psicologia pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).  Também estudou Técnica Violonística e Introdução ao Violão Clássico, na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

Sua discografia inclui mais de uma dezena de trabalhos lançados, sendo o mais recente Noturno, no qual musicou a poesia da escritora Ruth Guimarães.

Tem publicados cinco livros: Aquarelar (2007), A pena da asa (2015), A língua que a gente fala (2018), Da perspectiva das orquídeas (2018) e Falar dos meus amores (2020).

Em 2012, recebeu o Prêmio da Música Brasileira como melhor cantora. Em sua cidade natal, fundou e preside a Associação Cultural Mata Branca, entidade que desenvolve atividades artísticas e culturais para a comunidade.

É ainda a idealizadora do Prêmio Grão de Música, que este ano chega à nona edição.

Em que fase da vida a descoberta da música e das letras?

Jovem, ainda em Brejo do Cruz, comecei a tocar violão e a cantar, sem pretensão nenhuma. Mas, quando cheguei, em 1995, a Campina Grande, para cursar Psicologia, na Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), comecei a levar isso mais a sério. O álbum Cantigas (2001) é o primeiro e marca esse momento. Depois, vieram outros, onde sempre gravei minhas canções. Mais fácil, acho, gravar as coisas da gente, por mais simples que sejam.

Apesar dos fortes vínculos com a arte, por que a opção pelo curso de Psicologia, ainda bastante jovem?

O ativismo veio antes da arte, como função. Primeiro, entendi que existe uma luta de classes, que há uma desigualdade social igual ou pior do que os sistemas de castas que não entendemos bem em países outros, mas que admitimos aqui.  E que somos um povo muito deseducado para a política. Antes, somos feitos para a servidão. O Brasil ainda sofre da síndrome de colônia, de quintal de países como os Estados Unidos. Penso que a arte é um canal pelo qual falo da minha percepção, desse estar no mundo como nação que ainda não é nação.

Nascer no Nordeste, verdadeiro manancial de cultura popular, foi importante para ter se tornado artista?

Certamente. Ali, no tempo e no lugar onde nasci e vivi as primeiras fases da minha vida, tínhamos tempo para desenvolver o espírito ou a espiritualidade. Arte é dessa natureza. Não é para inflar ego nem ficar rica. E tudo bem, se ficar rica. Mas, a função primeira da arte, é refletir o mundo e, se possível, transformar a realidade para melhor.

Com tem sido levar a música brasileira a vários cantos do mundo? Das experiências vividas, alguma que a tenha marcado de modo especial?

O Brasil é o mais desafiador para mim, vivo aqui, viajo aqui. Há uma resistência enorme a reconhecer valores que não estejam legitimados pelo sistema dominante, seja nos meios de produção, como gravadoras, praticamente extintas, na comunicação, com os jornais à beira da extinção, etc. Eu desejo um mundo com menos resistência ao essencial. No Brasil, matam talentos, assim como pessoas dedicadas a causas nobres, como os direitos humanos. Os valores estão muito invertidos. Penso que é o paradigma vigente, dominado ainda pelo patriarcado e pelo capitalismo. Ponho fé noutras formas de relações e de realizações humanas, aqui e em toda a parte.

Dos discos que lançou ao longo da carreira, um dos mais recentes resgatou uma poeta brasileira, negra, de excepcional valor, que viveu no século XIX, no Maranhão, Maria Firmina dos Reis. Pode nos falar um pouco sobre ele?

 São 14 álbuns, um DVD e alguns singles. Entre eles, o Cantos à Beira-Mar, dedicado à  esquecida, por mais de um século, Maria Firmina dos Reis. Está disponível na Web.

Como se deu a idealização e criação do Prêmio Grão de Música e quais seus principais objetivos?

Quando recebi um prêmio importante, em 2012, vi que as premiações são importantes. Aí, desejei criar o PGM que é, hoje, uma importante contribuição à música do país. Estamos na nona edição, em 2022. Embora sejamos fortes, enfrentamos as mesmas resistências que enfrenta uma artista que não está vinculada a uma indústria. Só que numa esfera coletiva. Mas, focamos os benefícios, que são muitos. Tem vasto material nos canais do PGM, nas várias mídias sociais.

Fundar e dirigir uma entidade cultural, no interior do Nordeste, a Associação Pedra Branca, em sua cidade natal, envolve que desafios?

Sempre envolve desafios. Não é simples tentar mudar essa realidade tão desafiadora em um mundo tão desigual, violento e resistente à mudança. Mas, todo o trabalho é feito em equipe, sob a coordenação de Cristiane Machado, uma das criadoras da Associação Cultural Mata Branca e do Espaço Mata Branca.  Tem um grupo no local que faz a tarefa mais fundamental com as crianças, com a nossa participação.

Em seu primeiro romance, “Falar dos meus amores impossíveis”, publicado em 2020, temos uma protagonista a quebrar regras numa sociedade machista e conservadora. Que papel tem a arte no despertar de novas consciências, sobretudo em tempos de retrocessos como os que temos vivido no Brasil?

Escrevi sem grandes pretensões, primeiramente para mim, acho. Depois, resolvi publicá-lo.  Talvez, não seja um livro para agora. Talvez, não seja lido nem notado nunca. Talvez, não sirva para muita coisa. Não sei. Quando Maria Firmina dos Reis escreveu Úrsula, em 1859, imagino que ela sentiu o mesmo. Eu gostaria de fazer uma edição mais bem acabada, mas nesse momento não tenho “pernas” para tanto. Talvez, junto com a edição em inglês, que está sendo providenciada, eu o disponibilize também em português, em canais maiores, para quem precisar e desejar acessar a mensagem que ele traz. Por ora, está disponível em PDF, em língua portuguesa, no meu site:  www.socorrolira.com.br

Novos projetos literários e musicais?

Estou bastante interessada em cinema, ultimamente. Tenho estudado e pretendo fazer cinema. Mas, sempre escrevo. Tenho produzido bastante em música. Felizmente, tudo disponível nos aplicativos de música e nos canais que dispomos na internet.

Sobre os autores da entrevista: Angelo Mendes Corrêa é doutorando em Arte e Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista. Itamar Santos é mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), professor, ator e jornalista.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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