
Neste artigo, não pretendo ser exaustivo na definição de uma República, mas relembrar que o sonho republicano é de que todos os cidadãos nascem com as mesmas oportunidades e direitos de perseguirem a sua felicidade. É a possibilidade de qualquer português, de qualquer estrato social, poder aspirar ao mais alto cargo de uma nação, ou seja, ser Presidente da República.
O Reino Unido é uma monarquia, mas é frequentemente referido como pioneiro da democracia moderna, graças à Magna Carta de 1215, que estabeleceu o princípio de que todos, incluindo o Rei, estão sujeitos à lei, e por ser um dos primeiros países a desenvolver um sistema parlamentar. Nos dez anos em que resido em Oxford, tenho testemunhado como o Partido Trabalhista Britânico bebe da ‘Alma Republicana’, tanto nos seus processos de seleção e recrutamento de políticos quanto no debate, desenvolvimento e decisão das políticas.
A minha trajetória política no Reino Unido exemplifica as diferenças entre os processos de seleção e recrutamento de políticos nos dois países. Em Portugal, comecei como ativista político há 30 anos, mas foi no Reino Unido que consegui um avanço significativo na minha atividade política, sempre conciliando com a minha carreira profissional. Em apenas quatro anos residindo em Oxford, tornei-me autarca como City Councillor. Após seis anos como autarca, fui eleito Deputy Lord Mayor de Oxford. Este progresso rápido foi possível graças a um processo de seleção aberto e transparente, de baixo para cima, onde a vontade e disponibilidade do candidato são os fatores determinantes.
Há sete anos, nas eleições autárquicas em Oxford, recebi um email enviado a todos os militantes do Partido Trabalhista Britânico, perguntando se queria ser autarca de Oxford e explicando o processo. Pensei: “Por que não?”. Preenchi o formulário com os motivos da minha candidatura e o que de valor poderia trazer. O passo seguinte foi uma entrevista com três pessoas, uma delas não sendo membro da secção, para garantir que o processo e a decisão fossem justos e imparciais. O objetivo desta entrevista é avaliar se o candidato comunga dos valores do partido, se tem disponibilidade para a exigente campanha, para exercer o cargo de autarca de Oxford e se no seu passado não existe nada que possa surpreender ou prejudicar o partido. Este processo de recrutamento e seleção dos políticos valoriza e estimula a participação dos militantes.
Passando a entrevista, o candidato pode submeter a sua candidatura a qualquer círculo eleitoral em Oxford. Para quem não sabe, a democracia no Reino Unido é caracterizada por um sistema de círculos uninominais, onde os candidatos são eleitos diretamente pelos eleitores de cada círculo, proporcionando maior proximidade entre eleito e eleitor. Os cidadãos costumam chamar “o meu deputado” ou “o meu councillor” e enviam constantemente emails para eles. Por exemplo, no contacto porta a porta semanal já evitei que cinco famílias ficassem sem abrigo ou sem habitação, mediando com os senhorios e a Câmara para encontrarem soluções. Outro exemplo, quando vou de férias, recebo mais e-mails da Câmara de Oxford do que do meu trabalho.
A escolha do candidato do Partido Trabalhista é feita em assembleia de militantes de cada círculo eleitoral, com três momentos: uma apresentação oral dos motivos da candidatura, uma sessão de perguntas e respostas dos militantes, e por último, a votação. Este sistema meritocrático e horizontal contrasta com o modelo mais vertical e menos acessível de Portugal, onde alcançar posições semelhantes seria muito mais difícil, exceto para um grupo fechado próximo dos líderes partidários, dificultando a participação ativa e a ascensão rápida de novos talentos políticos.
Comparando os processos de escolha dos candidatos à Câmara Municipal de Braga dos dois maiores partidos, no PSD a escolha coube à sua Comissão Política com pouco mais de uma dezena de membros e depois confirmada numa assembleia de militantes com uma candidatura única. Na minha opinião, faria mais sentido que a Comissão Política do PSD verificasse se as possíveis candidaturas preenchiam os critérios e os requisitos para serem candidatos à Câmara Municipal de Braga, mas permitissem que os militantes tivessem a opção de escolha. Candidaturas únicas, no Reino Unido, na sua generalidade nem vão a votação, pois já se sabe o resultado. Já no PS, que deveria ter planeado estas eleições há doze anos, o candidato deveria ser escolhido em primárias abertas a militantes e simpatizantes para galvanizar e mobilizar para a vitória. Ainda não entendi o que estão esperando para escolher o candidato do PS à Câmara Municipal de Braga.
Para que “o sonho republicano” seja viável, é necessário criar processos democráticos acessíveis a todos os cidadãos, algo que temos na nossa República Portuguesa. Já nos processos democráticos internos, na maioria dos partidos em Portugal, são inacessíveis para a maioria dos cargos de dirigentes partidários e políticos. Assim, podemos concluir que no Reino Unido os partidos são mais imbuídos nos princípios republicanos, pois são mais horizontais, com candidaturas baseadas na iniciativa e motivação individual, tornando o processo mais meritocrático. Em suma, é uma “monarquia com alma republicana”.
Tiago Corais