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Regime do Alojamento Local em Portugal (ponto de situação em 2021)

Enquadramento

O ano de 2020 foi marcado pelo surto do coronavírus (COVID-19), cujas consequências se fizeram sentir, em primeira linha, no setor do turismo. E nem o facto de Portugal ser considerado um destino com boa capacidade de resposta ao nível do sistema de saúde e ter, durante muito tempo, conseguido conter a propagação do vírus foi suficiente para recuperar daquele que foi o pior ano para o turismo em termos mundiais.

Tendo em conta esta circunstância, torna-se difícil aferir a real evolução do setor, uma vez que, no ano de 2020, a tendência de crescimento não se verificou.

Ora, de acordo com o Registo Nacional de Alojamento Local (“RNAL”), gerido pelo Turismo de Portugal, o número de registos aproxima-se do recorde de 100 mil estabelecimentos de Alojamento Local a funcionar em Portugal. Dos 95.147 registos de Alojamento Local contabilizados até à data, a maioria localiza-se no distrito de Faro, com 35.920 estabelecimentos, seguindo-se os distritos de Lisboa, com 24.678 e Porto, com 11.133. É de salientar que em 2020 o número de registos caiu 54%.

A dinâmica deste tipo de exploração de imóveis, sustentada por uma grande procura e oferta, veio criar a necessidade de adaptar o regime ao mercado existente e a algumas das reivindicações da população portuguesa.

Assim, a Lei do Orçamento do Estado para 2020, procedeu a uma alteração profunda do regime legal aplicável aos Alojamentos Locais, que entrou em vigor no dia 1 de abril do mesmo ano. Posteriormente, e, ainda que, de forma pontual, foram introduzidas novas regras no regime do Alojamento Local, de que também tomar nota.

A obrigatoriedade de seguro de responsabilidade civil extracontratual

A entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2020 trouxe a terceira alteração ao Regime Jurídico da Exploração dos Estabelecimentos de Alojamento Local (“RAL” ou “Regime do Alojamento Local”), inicialmente aprovado pelo Decreto-Lei n.º 128/2014, de 29 de agosto.

Assim, desde 1 de abril de 2020, o titular da exploração de Alojamento Local deve celebrar e manter válido um seguro de responsabilidade civil extracontratual que garanta os danos patrimoniais e não patrimoniais causados a hóspedes e a terceiros, decorrentes do exercício da atividade de prestação de serviços de alojamento. O capital mínimo deste contrato de seguro deverá ser de €75.000 por sinistro.

Por outro lado, os titulares de explorações de Alojamento Local são agora solidariamente responsáveis com os hóspedes relativamente aos danos provocados por estes no edifício em que se encontra instalada a unidade.

Adicionalmente, tratando-se de estabelecimento de Alojamento Local cuja unidade esteja integrada em edifício em regime de propriedade horizontal, o titular da exploração fica ainda obrigado a celebrar ou a fazer prova da existência de seguro válido que garanta os danos patrimoniais diretamente causados por incêndio na ou com origem na unidade de Alojamento Local.

Note-se que a falta de qualquer um destes dois tipos de seguros válidos é fundamento de cancelamento do registo da exploração de Alojamento Local.

Os poderes reforçados das autarquias

O regime do Alojamento Local é particularmente caracterizado pela atribuição de poderes reforçados às autarquias locais na concessão e fiscalização dos estabelecimentos de AL.

Reflexo deste reforço de poderes é a anterior alteração do regime de acesso à atividade, passando da mera comunicação prévia com prazo à autarquia (devendo o requerimento de pedido de licenciamento ser dirigido ao presidente da Câmara Municipal competente), à existência de um prazo para a atribuição do registo, de 10 dias. Em tal prazo poderão as câmaras municipais opor-se ao registo se (i) o pedido estiver deficientemente formulado, (ii) o alojamento violar as áreas de contenção (agora também criadas) ou (iii) falte autorização de utilização adequada do edifício.

Os municípios podem ainda cancelar o registo de estabelecimentos existentes, após audiência prévia do titular do Alojamento Local, se os condóminos se opuserem ao Alojamento Local ou se forem desrespeitados outros requisitos do Alojamento Local, como a capacidade, segurança, exploração e publicidade, por exemplo, ou se forem detetadas desconformidades em relação à informação ou ao documento constante do registo.

As Câmaras Municipais podem, ainda, fiscalizar os Alojamentos Locais, competência anteriormente reservada à Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (“ASAE”) – podendo, inclusive, decidir a interdição temporária de estabelecimentos de Alojamento Local.

As zonas de contenção

Existe ainda a possibilidade de as autarquias locais poderem definir, por meio de regulamento, e desde que com deliberação fundamentada, dentro dos respetivos municípios, quais as quotas para a concessão de licenças para exploração de imóveis em regime de Alojamento Local – criação de zonas de contenção – procurando-se controlar, assim, a proporção de imóveis disponíveis para habitação. Nestas zonas impõem-se um limite máximo de licenças de Alojamento Local, com o objetivo de combater a instalação de novos estabelecimentos turísticos nos bairros onde a sua presença já tem um peso excessivo em relação à residência total disponível, favorecendo o arrendamento normal acessível e, bem assim, o comércio de bairro.

As zonas de contenção podem ser reavaliadas a cada dois anos e a instalação de qualquer Alojamento Local nas mesmas depende de autorização camarária expressa para o efeito.

A consequência direta desta restrição traduziu-se num acréscimo excecional de pedidos de licenciamento, tendo os investidores procurado assegurar o registo das respetivas unidades antes da definição de tais limites.

Em Lisboa, são consideradas zonas de contenção todas aquelas que ultrapassam os 25% da habitação disponível afeta ao Alojamento Local. Existem ainda zonas de suspensão temporária para zonas entre os 10% e os 20% de habitações ligadas a esta atividade.

Com a criação do Regulamento Municipal de Alojamento Local pelo Aviso n.º 17706-D/2019, de 7 de novembro, a Câmara Municipal de Lisboa definiu as seguintes zonas de contenção: Alfama, Mouraria, Castelo, Bairro Alto, Madragoa, Graça e Colina de Santana. Assim, nestas zonas impõem-se um limite máximo de licenças de Alojamento Local.

Foi igualmente instituído um número máximo de sete estabelecimentos de Alojamento Local por proprietário nas referidas áreas de contenção, sendo que os que já tenham mais estabelecimentos ficarão impedidos de fazer novos pedidos de Alojamento Local.

Quanto a este tema, importa, ainda, referir que, com o OE para 2020, os rendimentos (da categoria B do IRS) obtidos do alojamento local nestas zonas de contenção passou a ser apurado, no âmbito do regime simplificado de apuramento do rendimento coletável, através da aplicação do coeficiente agravado de 0,50 em vez do coeficiente de 0,35.

Os limites à transmissibilidade do Alojamento Local

Foram ainda instituídas limitações à transmissibilidade dos estabelecimentos de Alojamento Local nos perímetros de contenção, sendo as licenças pessoais e intransmissíveis, exceto nos casos de sucessão. Assim, a licença caduca automaticamente se forem alterados os titulares dos registos, do arrendamento, se a exploração cessar ou se mais de 50% do capital da sociedade que explora o Alojamento Local for transmitido.

A imposição destes limites tem como objectivo a limitação de situações de fraude na aquisição de estabelecimentos de Alojamento Local.

Os poderes do condomínio

Desde 21 de outubro de 2018, os titulares de explorações de Alojamento Local passaram a ter de obter, por parte dos demais moradores de edifícios que se encontrem em propriedade horizontal, autorização para a instalação de estabelecimentos de Alojamento Local, a ser dada pela assembleia de condóminos. Esta assembleia, por decisão dos condóminos que representem mais de metade da permilagem do prédio, devidamente fundamentada – em particular com base na prática de atos que perturbem a normal utilização do edifício, causem incómodo e afetam o descanso dos demais condóminos, pode ainda opor-se ao exercício da atividade de Alojamento Local já em curso, devendo dar, para o efeito, conhecimento de tal decisão ao presidente da Câmara Municipal competente. Caso a Câmara competente venha a cancelar o registo em virtude de decisão dos condóminos, este cancelamento terá a duração máxima de um ano.

O condomínio pode ainda impor ao titular do Alojamento Local o pagamento de uma contribuição adicional de condomínio, destinada a suportar despesas resultantes da utilização acrescida das partes comuns do edifício em resultado da atividade de Alojamento Local. Essa contribuição não pode, porém, ser superior a 30 % do valor anual da quota respetiva.

As outras alterações relevantes

Foi ainda criada uma nova modalidade de Alojamento Local, a explorar em quartos dentro do imóvel do locador, sendo que cada imóvel estará limitado a um máximo de 3 quartos neste regime.

Por último, passou a ser obrigatória a existência de um Livro de Informações (em Português, Inglês e duas outras línguas), do qual constem as regras de funcionamento do estabelecimento (incluindo eletrodomésticos), recolha e seleção de resíduos urbanos, seja feita a sensibilização para evitar ruído e perturbações da tranquilidade e descanso dos vizinhos, do qual é ainda obrigatório constar o contacto telefónico do responsável pela exploração, sendo que este livro deverá ser disponibilizado a hóspedes e ao condomínio.

Recentemente, em novembro de 2020, foi aprovado um novo diploma (Portaria n.º 262/2020, de 6 de novembro) que visa o estabelecimento das condições mínimas de funcionamento e identificação dos estabelecimentos de alojamento local, sendo aplicável a todas as suas modalidades.

A sua entrada em vigor ocorre em fevereiro de 2021 e os agentes deste setor (que já se encontrem registados junto do Registo Nacional de Alojamento Local) terão um ano para se adaptarem às novas regras.

Além de outras disposições, este novo diploma prevê as condições de acolhimento dos utentes, condições de funcionamento e serviços de arrumação e limpeza, serviço de pequeno-almoço, e, ainda, regras quanto às instalações sanitárias.

De igual forma, os estabelecimentos ficam agora obrigados a comunicar as dormidas e a implementar um conjunto de medidas de sustentabilidade ambiental.

Os comentários finais

Em suma, as alterações ao regime do Alojamento Local procuram ajustar o quadro legal aplicável à realidade existente, tendo sido criadas novas obrigações aos titulares de exploração de Alojamento Local e dando mais poderes às autarquias, sendo notória a vertente político-social das alterações agora em vigor. Com efeito, por um lado, foi dada mais voz aos condomínios, passando estes, agora, a ter um papel relevante no exercício da atividade de Alojamento Local, e, por outro, pretendeu-se combater, de alguma forma, a desertificação dos centros urbanos, procurando compatibilizar a existência do Alojamento Local com as casas para habitação, o que tem sido uma das mais sonantes reivindicações das populações urbanas.

Em todo o caso, o maior desafio para esta atividade será a sobrevivência durante e após o atual período de crise, causado pela situação pandémica associada ao coronavírus, o COVID-19.

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