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Quem sou

(Segunda parte)

Sou um pouco de que vês e do muito que não enxergas (…)

Sou aquele que procura a satisfação de quem chega ao topo da montanha, depois de tantos sacrifícios e tantos esforços para lá chegar, e não a encontra.

O que tem o sofrer de quem vê um filho escapar-se entre os dedos, pronto para o mundo, quando por ele, entre rastos de alegria e felicidade se entrelaçaram os naturais sofrimentos, o muito que por ele se fez, o esforço, e mesmo assim falta a capacidade de o entregar de mão beijada, mesmo sabendo bem ser essa a lei natural das coisas.

Mas também sou aquela criança, tão tenro de idade a sentir sensações nos almanaques do Tio Patinhas, o Donald, o Pateta, a Mónica, a Mafalda, o Cebolinha e o Cascão, as aventuras de Astérix e Obélix e as sensações desse tempo as lágrimas e as saudades de hoje. Ordem cronológica nesses livros aos quadradinhos? Não há ordem cronológica nas saudades.

Sou essa mesma criança que brincava na terra, que emanava o seu cheiro de poeira assentada com as gotículas da chuva, com o aroma que se espalhava pelo ar que nesse tempo respirei e agora recordo como um bem precioso.

Sou o herói dos filmes de Índios e Cowboys, o que sente ainda o cheiro dos eucaliptos, do mato e do feno dos montes, do chilrear dos passarinhos, da sombra fresca que as árvores e os eucaliptos ocultaram do sol em dias escaldantes. Sou a água cristalina que corre pelos montes abaixo, mas que sempre vai batendo contra as pedras e os obstáculos que não são nem assim capazes de a parar.
E sou a voz, que ainda hoje ouço nitidamente dentro de mim, os gestos e as pequenas manias daqueles que em tempos idos foram os amigos que me fizeram crer… que eu quis acreditar serem pra vida, e hoje continuam gravadas nas memórias, que mais vezes do que eu mesmo assim o espero, deles continuo a ter. E deles sou também a vítima que o tempo e a vida devorou, porque nada é o que se pensava, nesses tempos, que viesse a ser, e nem sempre, como agora, nos lembramos verdadeiramente o que somos.

Sou aquele tipo dos pequenos gestos, dos momentos silenciosamente barulhentos, das atitudes que por esses momentos passam despercebidas, e que poucos veem.

E continuo a ser a ovelha perdida, no rebanho de Deus, à procura de encontrar o seu caminho de volta, sempre com a esperança de que o Pastor, mesmo que distraído por vezes, saiba melhor do que ninguém que o caminho, por longínquo que possa parecer, só tem um único destino.

E não fossem estas as palavras do grande poeta Acácio, com a sua inteligência bruta, a puta é filha da vida, e a vida é filha da puta.

(Retalhos do quotidiano)
António Magalhães

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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