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Quando perdeu a sua espontaneidade?

Imagine-se a entrar numa sala com uma plateia com 500 pessoas desconhecidas, e um senhor no palco o chama para falar durante 30 minutos. Foi apanhado de surpresa, sem aviso prévio, e, nos dois minutos que caminha até ao palco, sabe que terá que ter um discurso de improviso. Um discurso de improviso é um bom exemplo de espontaneidade. Quantos de nós iríamos caminhar até ao palco de ânimo leve e descontraídos?

A espontaneidade é uma resposta imediata a uma situação, a um desafio, mostrando a nossa atitude perante o problema. Na raiz etimológica, espontaneidade provém do latim sponte, que significa livre, de boa vontade, voluntariedade. Na situação que acima descrevi, uma atitude espontânea seria aceitar com alegria a chamada de última hora, ir voluntariamente até ao palco, e, com boa vontade, partilhar algo seu com a plateia. Num certo nível, a espontaneidade é amiga íntima da sinceridade, da criatividade, da originalidade, e ajuda-o a dar resposta a uma situação imediata, inesperada.

Embora todas as facetas positivas da espontaneidade, para muitos de nós, ela parece estar adormecida, restrita ou mesmo perdida. Mas, quando perdemos a nossa espontaneidade?

Quando crianças somos espontâneos. Falamos o que pensamos sem medo, sem a preocupação se usamos a palavra certa ou errada, se está a ser bem ou mal  pronunciada, sem o autojulgamento. Falamos. Resolvemos, com um grande sorriso, ir ter com alguém à rua para abraçá-la, mesmo que essa pessoa nos seja totalmente desconhecida, sem o filtro se devo ou não fazê-lo. Fazemos pelo ato em si. Contudo, também em criança, aprendemos regras de convívio social, regras morais, valores, os comportamentos certos e os errados, que irão nos moldando. E essas regras nos vão castrando, pouco-a-pouco, a espontaneidade. Na educação, nos ensinam a desenvolver o intelecto, a coordenação motora, mas não nos ensinam ou incentivam a manutenção da espontaneidade. A espontaneidade é o que o permite se mostrar, agir, sem se reprimir, sem ultrapassar limites, com bondade no coração, para com o outro, para consigo mesmo, e por isso flui, como o fluir da água de um rio nas curvas e contracurvas do seu leito. A espontaneidade nos permite entrar em contacto com a liberdade, de fazer a coisa de uma nova forma, sem medo, atuando no agora, no presente, com as circunstâncias que nos encontramos e da maneira mais adequada. Por isso a espontaneidade É. É a manifestação do seu Ser, da entrega, que abandonou a censura dos pensamentos – certo ou errado, devo ou não devo. É o momento da expressão do seu Ser. Então, como reconquistá-la?

Uma vez, num curso que ministrei anos atrás, recebi uma executiva de topo séria e rígida, de um banco inglês. Ao chegar ao curso, ela estranhou o local onde o mesmo decorreria. A MORE Institute havia alugado salas de um A.T.L. (Actividades de Tempos Livres). Como o espaço possuía muito boas condições e era centralizado, consideramos o local ideal para a formação. E ali estava uma executiva de topo num espaço lúdico de crianças. No final da manhã, do primeiro dia do curso, de que ela estava a gostar bastante, convidei o grupo para uma atividade no terraço exterior. Assim que saímos, ela viu uma amarelinha/jogo da macaca artisticamente pintada no chão. Sentindo-se então à vontade, espontaneamente, ela tirou seus saltos altos e pulou a amarelinha/saltou à macaca. A cada pulo, o rosto dela expressava muita alegria. Ao terminar, feliz, ela veio ter comigo e disse que adorava saltar à macaca/ amarelinha, e não o fazia desde a infância. Foi uma cena inesquecível, observar aquela mulher expressando-se livremente e descontraída, sendo feliz com algo tão simples. Mas não é exactamente essa capacidade da criança, ser feliz com o agora e com algo simples?

Para reconquistar a espontaneidade que foi assaltada pelo medo, e refém das convenções morais e sociais a que fomos formatados, e que continuamos a sê-lo na sociedade em que vivemos, temos de vencer os medos – medo da rejeição, da exclusão, de errar, de se expor, de não ser bom o suficiente, de como o outro irá reagir, de dizer amo-te sem pensar que é fraco.
É no medo, nas regras e limitações que deixa de ser espontâneo. Passa a ser rígido, a viver no mundo a preto e branco, deixa de responder criativamente à realidade, deixa passar os momentos de alegria, as oportunidades, deixa adormecida uma grande riqueza interna, que o permitiria ser mais quem É, deixa de expressar mais a sua alma, e consequentemente sentir-se mais feliz. A espontaneidade permite libertar-se das amarras, deixar partir a paralisia, fazer realmente o que gostaria e não o que a convenção social dita como certo, respirar vida, amar livremente, de expressar a sua alma, viver o momento. Recorde que em criança a espontaneidade permitia-o ser feliz no momento, naquele instante. Toda a felicidade no agora. E isso bastava.

Já referia Jacob Moreno, “Se a espontaneidade é o fator importante para o mundo do Homem, porque é tão pouco desenvolvida? A resposta é: o Homem tem medo da espontaneidade, como seu ancestral tinha medo do fogo; teve medo do fogo até que aprendeu a fazê-lo. O Homem terá medo da espontaneidade até que aprenda a treiná-la.” Eu diria, vença o medo, use o momento, expresse a sua alma, que emergirá a sua espontaneidade. Recorde que de momento em momento, o caminho da sua vida é construído, de forma mais leve, original, livre, ou de forma mais limitada, repressiva e pesada. Opte, “espontaneamente” para 2020, pelo lado que o faça mais feliz.

Karina M. Kimmig

Karina M. Kimmig foi galardoada Top Coach na Alemanha, autora do livro “Metodologia Humanística: Os Sete Poderes que Todos Nós Possuímos”, General manager MORE Institute GmbH, Presidente de associações internacionais, cocriadora da MORE Humanistic Methodology, autora, blogger, e referência internacional em desenvolvimento humano. Mais: https://more-institute.com/

 

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