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Qual a tendência de voto dos portugueses nos EUA?

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Sentada num pequeno café da cidade de Selma, que tem uma população de pouco mais de 24 mil pessoas, a lusodescendente Tisha Cardoza revela que vai votar em Kamala Harris em novembro, apesar de estar registada como republicana. 

É uma exceção à regra na comunidade portuguesa do vale de São Joaquim, que vota maioritariamente em candidatos republicanos e voltará a apoiar Donald Trump em 2024. Isso é visível em sítios como Turlock e Hilmar, onde a presença portuguesa é grande e se podem encontrar lojas com pão doce, roscas, linguiça e vinho do Porto. 

“Especialmente aqui no vale, que é 90% à base de agricultores, toda a gente é pelo lado do Trump”, disse à Lusa Luciano Oliveira, dono da Hilmar Portuguese Bakery. “Porque quando ele estava, os impostos, os incentivos e apoios à agricultura eram mais fáceis”. 

Oliveira, que vai votar presencialmente, referiu que impostos e preços elevados são os temas mais relevantes para a comunidade portuguesa nesta eleição. “Está difícil para os negócios pequenos sobreviverem com a inflação”, sublinhou. “Muita coisa subiu para o triplo”. 

O pequeno empresário considerou que ambos os candidatos têm aspetos bons e maus, mas já tomou a decisão em quem votar. “Temos que mudar, senão não sei. Esta nação já foi a maior potência, mas acho que neste momento não é”.

O lusoamericano acredita que Trump tem mais hipóteses de vencer. “Não podemos continuar assim, o país não pode continuar assim”, salientou, criticando o facto de haver políticas a “castigarem quem trabalha e a dar tudo a quem não trabalha”. 

Tiago Pereira, dono da M&S Portuguese Bakery em Turlock, expressou uma opinião semelhante. “Há muita falta de trabalhadores”, apontou. “Há muitas pessoas a receber dinheiro sem fazer nada”. 

Pereira, de 34 anos, quer ver menos taxas para quem investe e uma melhoria da situação económica. “A gente não quer que fiquem os mesmos vícios que estavam antes, talvez mudar alguma coisinha do que estava a acontecer”, referiu. “Estou à espera de uma mudança”. 

Foi esse o sentimento repetido por outros luso-americanos que optaram por falar apenas de forma geral sobre o sentimento da comunidade. Percorrendo as ruas e os trechos de autoestrada que ligam as cidades, é possível ver muito mais cartazes de apoio aos candidatos republicanos, não apenas Trump e J.D. Vance, mas também o novo congressista luso-americano John Duarte, que tenta ser reeleito para o 13º distrito.

O corredor da estrada 99, que percorre praticamente todo o vale central, é um mar de votos vermelhos, cor do Partido Republicano, com algumas exceções – o democrata Jim Costa, congressista do 21º distrito, é uma delas. De resto, o pendor é republicano e as divisões estão a agudizar-se. 

“Aqui em Selma somos quase todos republicanos”, disse Tisha Cardoza. “Mesmo nas corridas locais, as pessoas perguntam aos candidatos de que lado estão, algo que antes não acontecia”. Querem saber se alguém que concorre, por exemplo, à administração de uma escola é republicano ou democrata, para escolherem com base nessa filiação. 

Cardoza não gosta dessa polarização e nesta eleição vai votar na candidata democrata, algo que não fará de ânimo leve. “Não faço muito barulho sobre isto porque a maioria da minha rede é republicana e não quero discussões”, disse. “Mas é que senti pessoalmente o medo de amigos de serem deportados sob Trump.” 

A questão da imigração é a mais importante a pesar na sua decisão. “Tivemos alguns portugueses em Tulare que foram deportados”, referiu. Houve casos em que imigrantes que estavam há muito na Califórnia não sabiam que tinham de renovar o seu cartão de residente e foram apanhados pela política de deportação do ex-presidente. 

Donald Trump volta agora a prometer uma deportação maciça de imigrantes, algo que Tisha Cardoza não vê com bons olhos. “Há pessoas que têm ‘cartão verde’ (autorização permanente de residência e trabalho) e até isso pode não ser suficiente. É assustador”, afirmou. “Do ponto de vista financeiro, provavelmente votaria ao contrário, mas não voto devido à posição dele na imigração”. 

A lusodescendente referiu que tem muitos amigos hispânicos e que há uma grande necessidade de mais imigrantes para trabalhar as terras no vale. Ela própria gere a quinta da família, além de trabalhar como engenheira na companhia PG&E. 

“Preciso de trabalhadores mais jovens e capazes”, referiu, salientando que o trabalho agrícola é difícil e muitas das pessoas que querem impedir imigrantes de entrarem e fazerem esse trabalho não estão dispostas a substituí-los nos campos. 

“Aqui no vale dependemos muito dos imigrantes em geral. E agora já não há muitos a chegar”, continuou, dizendo que tudo o que eles querem é uma vida melhor. “Para mim, isso é a América”, afirmou. “Este país foi feito por diferentes nacionalidades que se juntaram para um bem comum, e é isso que sinto que se perdeu”. 

Cardoza diz que há outros eleitores como ela, que desta vez não vão votar de acordo com a linha tradicional. No final, a Califórnia entregará os seus 54 votos do colégio eleitoral a Kamala Harris. Mas a votação nos candidatos locais, como Jim Costa e John Duarte, poderá decidir o controlo da Câmara dos Representantes; é aí que a comunidade portuguesa do vale central da Califórnia pode fazer a diferença.

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