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1. Janusz Korwin-Mikke. Este senhor é polaco e fundador de um partido eurocético e de extrema-direita. Há tempos, fez a saudação nazi em pleno Parlamento Europeu, do qual é deputado. Mas a sua façanha mais recente foi ter afirmado, num debate sobre igualdade salarial, que se justifica as mulheres receberem salários inferiores aos dos homens porque são «mais fracas, mais baixas e menos inteligentes». A corroborar esta última «desvantagem», lembrou que não havia mulheres na lista dos 100 melhores jogadores de xadrez do mundo.

Não é preciso ser politicamente correto para desmontar uma argumentação tão absurda; basta ser minimamente inteligente e ter o mais elementar sentido da justiça. Quando se remunera uma atividade laboral, o que conta é o trabalho executado. Não faria sentido remunerar as pessoas em função dos atributos médios de um grupo ao qual pertencessem e que nem sequer teriam algo a ver com a dita atividade laboral. Se me assistisse direito a ganhar mais do que uma mulher apenas porque estou adstrito a um grupo de género cuja estatura média é superior à do grupo dela, então também poderia reivindicar uma bota de ouro ou uma medalha olímpica apenas porque (supostamente) tenho um aparelho genital com morfologia idêntica aos do melhor futebolista ou maratonista do mundo. E seria bonito instalarem à porta do meu local de trabalho medidores da estatura, para me atribuírem a remuneração em conformidade: atendendo a que a hereditariedade não me foi particularmente generosa nesse capítulo, estaria condenado a receber menos do que os meus colegas mais «compridos», trabalhasse o que trabalhasse. E quanto a habilidade (ou melhor, inabilidade) no xadrez, prefiro não me alongar. A propósito, será que Janusz Korwin-Mikke se conta entre os tais «100 melhores jogadores de xadrez do mundo»?

Infelizmente, parece que errámos ao relegar irreversivelmente ao passado situações como a das assalariadas rurais do Alentejo e do Ribatejo de outrora, condenadas a ganhar sistematicamente menos do que os homens, apesar de muitas delas estarem longe de ceifar e mondar menos do que eles (nesse caso, o argumento de as mulheres serem «mais fracas» até deveria beneficiá-las salarialmente, pois um resultado igual ou superior produzido por corpos em desvantagem física mereceria um prémio de compensação). Esta discriminação era uma prepotência machista tão patente que a reposição da equidade não pareceria suscitar oposições de monta. Pois eis que, bem entrados no século XXI, em plena Europa, deparamos com teses como a de Janusz Korwin-Mikke.

Lembro-me também de um antigo colega, funcionário de uma secretaria na década de 1980, o qual concordaria com a igualdade de direitos entre homens e mulheres «no dia em que elas também trabalhassem na estiva». Debalde tentei explicar-lhe que, se executar um trabalho fisicamente exigente como a estiva fosse critério para atribuições salariais, só poderiam reivindicar direitos nessa base os indivíduos (homens ou mulheres) que efetivamente trabalhassem na estiva. Não sendo essa a atividade laboral dele, parecia oportunista reivindicá-los apenas com base no mérito de alguns membros da sua «classe» sexual. Mas, como disse, debalde argumentei, porque quem acarinha preconceitos jamais se deixa permear pela razão.

Nas redes sociais abundaram as reações à triste intervenção de Janusz Korwin-Mikke no PE. Algumas repudiando as afirmações do deputado de extrema-direita, outras alertando para a deriva politicamente correta, que se arriscaria a criar uma ditadura do pensamento, porquanto o senhor, coitado, tinha todo o direito a exprimir a sua opinião pessoal. Importa fazer aqui uma precisão acerca deste argumento falacioso: Janusz Korwin-Mikke não proferiu as suas afirmações a título privado, mas sim enquanto deputado do Parlamento Europeu, o órgão legislativo por excelência da União Europeia, e precisamente no âmbito de um debate dedicado ao combate contra desigualdades salariais injustificáveis.

Acresce a sua declarada simpatia pela causa nazi. Ora, o nazismo não foi uma ideologia qualquer, como tantas que surgem, eventualmente prosperam e acabam por se esfumar. O nazismo foi uma política estatal de extermínio sistemático de grupos bem designados, com recurso a métodos industriais. Dilacerou e arruinou a Europa, num trauma gigantesco que, mais de setenta anos passados desde a sua derrota militar, ainda não sarou por completo (ironicamente, os nazis desprezavam o país deste eurodeputado, a Polónia, que encaravam como excelente Lebensraum, ou espaço vital, para a expansão da nobre raça germânica).

A União Europeia rege-se por princípios de justiça que custaram muitas décadas e muitas vidas a conquistar e a consolidar. Não é admissível que inimigos torpes desses princípios se sirvam das próprias instituições europeias para os minarem.

Correu na Internet um abaixo-assinado apelando ao afastamento compulsivo deste senhor do Parlamento Europeu. Por esta altura, o número de assinaturas deve ter já ultrapassado o milhão. Com prazer, informo que a minha é uma delas.

2. Diz-se que Donald Trump tem toda a legitimidade para governar porque «ganhou as eleições».

Cuidado com o rigor das palavras. Trump não ganhou as eleições. Quem as ganhou foi Hillary Clinton, e por cerca de três milhões de votos (o que, mesmo tendo em conta a dimensão numérica do eleitorado americano, é considerável). O que aconteceu foi que Trump, embora não ganhando as eleições, foi eleito, graças às peculiaridades do sistema eleitoral norte-americano, que deixa muito a desejar em termos de representatividade.

O presidente dos Estados Unidos não é nomeado na sequência do sufrágio direto, mas sim por um colégio eleitoral, composto de representantes enviados por cada «círculo eleitoral» (os «círculos eleitorais» são os vários estados que constituem a federação). Ora, cada estado só manda para o colégio eleitoral representantes do partido do candidato mais votado. Portanto, se no Alabama (por exemplo), o candidato A for o mais votado (mesmo que por margem ínfima sobre o segundo candidato), todos os representantes que o estado do Alabama manda para o colégio eleitoral serão do partido do candidato A.

Seria como se, em Portugal, num determinado ato eleitoral, todos os deputados que o distrito de Portalegre manda para a Assembleia da República fossem do PS, todos os do distrito de Viseu fossem do PSD e todos os de Beja fossem da CDU, só porque estas teriam sido as organizações políticas mais votadas em cada um daqueles círculos eleitorais (distritos).

O sistema eleitoral português utiliza o chamado «método de Hondt», muito mais representativo do que o sistema de constituição do colégio eleitoral norte-americano, pois distribui os deputados de cada círculo o mais proporcionalmente possível à votação em cada organização política. E isto apesar de nem sempre ser possível atribuir deputados a partidos (ou coligações) que não atingem um limiar mínimo de votação, porque não se podem mandar para a AR frações de deputado.

Aconteceu, pois, que D. Trump suplantou H. Clinton, marginalmente, numa porção de estados, o que lhe permitiu abarbatar para o seu partido todos os representantes desses estados no colégio eleitoral. E houve outros estados (Califórnia e Nova Iorque, por exemplo) nos quais a votação em H. Clinton suplantou largamente (largamente!) a votação em Trump. Somados todos os votos à escala nacional, a diferença entre os de H. Clinton e os de Trump cifrou-se, pois, em cerca de três milhões, mas quem foi eleito (pelo colégio eleitoral) foi o perdedor.

Se na composição do colégio eleitoral que nomeia o presidente dos Estados Unidos fosse utilizado um método mais proporcional, cada círculo eleitoral (estado) mandaria para esse colégio, não apenas representantes do partido apoiante do candidato mais votado, mas uma distribuição mais condizente com a votação de cada um deles. Haveria assim, no colégio eleitoral, mais representantes do Partido Democrata, que apoiou Hillary Clinton, do que do Partido Republicano, que apoiou Donald Trump.

Claro que, enquanto estiver em vigor o atual sistema norte-americano, por muito obsoleto que seja (e, manifestamente, é-o), a nomeação do presidente por ele se rege. Portanto, a nomeação de Trump foi tecnicamente legítima. Mas só tecnicamente. Importa não esbulhar a verdade quando se afirma que ele «ganhou as eleições».

Há quem diga que aquela «peculiaridade» do sistema eleitoral norte-americano tanto pode beneficiar os candidatos do partido A como os do partido B ou C. Sem dúvida. Mas, que me conste, a aleatoriedade só beneficiou candidatos do Partido Republicano em eleições recentes: nas de 2000, em que George W. Bush foi eleito, apesar de numericamente derrotado por Al Gore, e nas de 2016, em que Donald Trump foi eleito, apesar de numericamente derrotado por Hillary Clinton.

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