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Os túneis de Lisboa

Os túneis de Lisboa são agora uma casa de família. Uma casa que alberga os sem-abrigo que nada mais podem que não tentar, a todo custo, sobreviver num mundo desigual, num mundo injusto, num mundo feroz que mata em silêncio os homens e mulheres que rejeita. O mundo vai mal. Indiferente. Desapegado. Desinteressado. Quando penso que a morte é medo, concluo que a vida é morte. É a vida, perante tão duras imagens, que nos mata antes do tempo. Não há, não pode haver, justificação possível para a miséria humana que os olhos alcançam e é isso, aqueles corpos tomados pelo abandono, que nos vai assassinando por dentro. Deixar de acreditar num País, num Governo, num Estado, é deixar morrer a esperança, mas olhar aqueles homens e mulheres, sentir-lhes a dor escondida no rosto, é morrer com eles antes de tudo.

Falta ali tudo. Há homens e mulheres a reprimir a fome, a evitar as lágrimas, a suster as saudades de casa, a recordar outros dias, a sucumbir num abismo que se alonga demasiado. Falta ali tudo e, ainda assim, é ali, naqueles túneis, que aqueles homens e mulheres se encontram diariamente para estender um cobertor, um cartão, um plástico, alguma coisa que os proteja da noite, dos olhos. Alguma coisa que os engula do mundo. Nada mais trazem consigo do que aquele cheiro da miséria, da indigência que se abate naqueles túneis, onde dormem para afastar, acima de tudo, o frio que a carne já não suporta. Depois para apartar a solidão que a cor da noite incita. Quantas histórias perdidas encobrem aqueles fétidos cobertores? Quantas vidas se perderam entre um e outro silêncio? Quanta indignação pode aguentar um homem? Não sei. Não sei ao ponto que pode chegar a força de um homem desprovido de tudo e ainda de toda a dignidade. Diante de tudo isto, há, tem de haver, culpados a apurar. Quem zela pelo decoro de uma sociedade se não o seu Governo? Quem protege quem nada pode se não o seu Estado? Quem cuida de evitar, minimizar a pobreza se não o seu País? Pois, certamente, haverá por aqui funções esquecidas, obrigações, deveres descurados e isso, essa amnésia genérica, está a matar toda e qualquer sensibilidade social.

Infelizmente, não tenho poder suficiente para mudar o mundo, curá-lo desta enfermidade viral que nos ataca a todos sem exceção (a uns pior que outros), mas tenho voz, palavras bastantes para denunciar estes crimes horrendos praticados sem que a justiça intervenha. Tenho voz e, enquanto tiver voz, terei a obrigação, como cidadã, de, no mínimo, não me acomodar e calar a tão aterrador cenário. O mundo vai mal, muito mal.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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