Os portugueses de Timor-Leste que um dia querem regressar
O português Filipe Santos chegou a Timor-Leste ainda antes da restauração da independência e, apesar de nem saber onde ficava o país, arriscou embarcar numa aventura que devia durar um ano, mas já lá vão 24.
Os portugueses com quem a Lusa falou destacam a evolução do país nos 25 anos após o referendo realizado em 30 de agosto de 1999 e que levou à independência, em 2002, mas realçam igualmente os desafios que ainda se colocam.
Filipe Santos, de 48 anos, conta que a decisão de vir para Timor-Leste foi um acaso porque a ideia era ir dar aulas para Cabo Verde, mas não havia vagas.
Da altura, o também conselheiro das comunidades portuguesas, eleito em novembro do ano passado, recorda as comunicações difíceis. “Só ligava para casa de 15 em 15 dias” e por telefone satélite.
Este transmontano de Chaves lembra ainda as condições dos professores que vinham para Timor-Leste, a darem aulas “debaixo das árvores” ou a percorrerem distâncias de três e quatro horas de carro.
Já André Simões, que chegou mais recentemente, há quase 13 anos, diz que o “grande choque” foi o ritmo de vida.
“Estava habituado a um ritmo muito agitado” de trabalho em que é tudo pedido “para ontem” e deparou-se com “esta maneira asiática, em que as coisas têm o seu tempo” e “não vale a pena pressionar”.
Apesar de reconhecer que Timor-Leste é ainda “um país em construção”, sobretudo a nível de infraestruturas, de acesso à internet, que “é fraca e de má qualidade”, o português oriundo de Braga diz que “as coisas já estão diferentes”,
“Já temos um shopping, já temos zonas de lazer, já temos muita coisa que não existia”, diz André, de 36 anos, que conheceu a mulher, uma timorense nascida em criada em Portugal, em Timor-Leste e têm dois filhos em comum.
Também Celso Cruz, há 20 anos no país, vindo de São Tomé e Príncipe a convite da cooperação portuguesa para dar formação profissional, traça um cenário “muito complicado”.
Apesar de haver de tudo, muitas vezes “ainda faltam bens de primeira necessidade” e o custo de vida “subiu consideravelmente”, sobretudo depois da pandemia da covid-19, diz o atual empresário de construção civil que emprega 110 pessoas, dos quais apenas um é português e os restantes timorenses.
Celso. Cruz, oriundo do Porto, casou em Timor-Leste com uma portuguesa, que entretanto já regressou a Portugal, e não tem filhos, mas considera que muitas vezes é como um pai para muitos dos seus empregados timorenses.
“Nós emprestamos muito dinheiro, muitas vezes para eles pagarem as propinas dos filhos” porque em algumas escolas “se eles não tiverem as propinas pagas, não os deixam fazer os exames”, diz, referindo que o “rol das dívidas”, que vão sendo descontadas todos os meses no salário, é muito elevado.
Celso dá o exemplo de um funcionário seu, que, com 30 anos, tem nove filhos. “Até já me disse, se eu queria algum”, disse.
André Simões diz que apesar de tudo as condições de vida dos timorenses melhoraram muito, sobretudo na habitação porque se veem “menos barracas”.
Mas ressalva que está a falar de Díli, uma realidade diferente do resto do país.
Sobre as dificuldades no seu negócio, uma empresa ligada à eletricidade e ar condicionado que dá emprego a 16 pessoas, “é sempre na parte da logística”, dado que os materiais têm de ser importados da Europa ou da Ásia porque o que existe no país “não tem qualidade”, uma realidade comum a Celso Cruz.
As transportadoras também “são poucas” e “muito caras”, o que “vai encarecer o preço final ao cliente”, além do tempo de espera, raramente inferior “a dois ou três meses”, acrescenta André.
Em relação aos conselhos que dariam a portugueses que queiram investir em Timor-Leste, Celso diz que é preciso sobretudo “vir com um espírito completamente diferente”, mas com a garantia de que “é uma terra que os vai receber de braços abertos”.
Já André Simões deixa um alerta: “é preciso ter muita atenção com quem se faz negócios, porque não deixa de ser um país que está muito ligado à política, há muitas obras públicas e tudo depende […] do dinheiro que sai do Governo”.
Segundo dados do Ministério dos Negócios Estrangeiros, há 18.383 portugueses registados nos consulados em Timor-Leste e a maioria concentra-se em Díli.
De acordo com a mesma fonte, a maior parte da comunidade dedica-se ao ensino, no âmbito de projetos de cooperação, assessoria ao Governo e instituições públicas, missionários religiosos e militares. No setor privado, destacam-se as áreas da restauração e hotelaria, banca, construção e assessoria jurídica.
Quando a pergunta é se pretendem regressar a Portugal, André diz que fica enquanto se “sentir bem”, mas Filipe voltará em breve porque já tem uma filha a estudar na universidade em Portugal e a outra a caminho.
Celso já definiu o prazo “de dois ou três anos no máximo” para o regresso.
“Quero deixar alguns dos meus colaboradores guiados e fazer-me à vida” porque “um bom filho à casa torna”, afirmou.