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“Os olhos de Tirésias” de Cristina Drios

Ficha técnica

Título – Os olhos de Tirésias

Autora – Cristina Drios

Editora – Teorema

Páginas – 216

Opinião

Faz praticamente um ano que fiz a minha estreia na Feira do Livro de Lisboa e, para assinalar esse momento histórico, comprometi-me a ler as obras que comprei há um ano atrás na Feira. Não sei se vou conseguir lê-las todas, mas vou tentar.

Dei início ao meu compromisso lendo uma (mais uma!) recomendação da Márcia Balsas e que comprei a muito bom preço o ano passado na FLL, pois era livro do dia. Os olhos de Tirésias foi finalista do Prémio LeYa em 2012 e está primorosamente bem escrito. Tropeçamos a cada passo com o cuidado e o mimo que a autora pôs nas palavras, na construção de frases e naquilo que as mesmas nos transmitem. Sentimo-nos embalados, as histórias e as personagens que se vão entrelaçando ao longo da narrativa têm um sabor muito próprio, conduzem-nos entre dois países, entre dois tempos, entre duas épocas muito distintas e acima de tudo embrenham-nos no seio de uma família portuguesa arrancada das fragas da serra da Lousã.

Mateus Mateus não se destaca apenas pela dobragem de nome. É um jovem de praticamente dois metros e que não é capaz de sentir emoção nenhuma, nem mesmo quando lhe morre o pai. Por ser assim, destituído da vontade de reagir à dor, à alegria, ao prazer, ao sofrimento, é-lhe renegado o direito de pertencer à família e acaba sendo criado pelo pároco da aldeia. Com dezassete anos, alista-se no Corpo Expedicionário Português e parte para a região de Flandres onde combaterá até ao final da Primeira Grande Guerra. Quase cem anos depois, a sua neta nada sabe sobre o gigante avô. Apenas possui uma fotografia sua e será esta o mote para uma decisão que mudará a sua vida – irá fazer tudo o que estiver ao seu alcance para descobrir quem foi Mateus Mateus, por que razão a sua vida sempre esteve envolta numa aura cerrada de mistério e, com essas descobertas, publicar um livro que o homenageie.

Da narradora também não sabemos muito. É casada, mas as brechas resultantes de interesses distintos e da súbita vontade de saber mais sobre os seus e sobre si própria e que a levará a outras paragens e a outros mundos provocam um distanciamento que parece não ter solução. Refugia-se inúmeras vezes no seu “nicho” profissional, um espaço diminuto num prédio dominado por escritórios de advogados e é nesses momentos de solidão que sentimos que esta narradora poderá, quiçá, ser um espelho da própria autora e das dificuldades inerentes à exigente tarefa de criar um romance.

Para além destas personagens fulcrais há outras não menos importantes e delas destaco o delicioso Émile, o menino órfão que deambula pelos cenários de guerra tirando da cartola momentos de magia, a belíssima Georgette que furará o círculo negro que sufoca Mateus e dois combatentes – Adolf que é, nada mais, nada menos, do que (creio eu) o jovem soldado austríaco que, anos depois, subirá ao poder, se transformará no chanceler alemão e desencadeará um novo conflito mundial e Erich Kramer ou Erich-Maria Remarque, o autor desse romance extraordinário – A oeste nada de novo – e que eu quero muito, mas muito reler! São exemplos do mimo e do cuidado que já referi e que tornam a leitura desta obra ainda mais rica e saborosa.

Sorrio. Tirésias, o vidente mais célebre de Atenas, era cego. Por ter visto algo que a nenhum mortal era concedido ver, a nudez de uma deusa, perdera a visão e ganhara, em troca, o dom da previsão. O avô Mateus, ao contrário, perdera a clarividência no meio da visão do horror. Adolf, ao contrário, tomado de cegueira histérica, viu o destino de uma nação com a luminescência de um louco. E eu, pensei, quantas vezes, como o comum dos mortais, não saberia ver para além do que olhava.” (pág. 210)

Toda a obra é um desbravar de auto-conhecimento que acompanhei deliciada. É realmente um romance lindíssimo, com passagens – como a que transcrevi – escritas com uma subtileza e uma assertividade que me conquistaram e que me fazem querer ler mais do que escreveu Cristina Drios. Criatividade, originalidade, personagens bem redondas, ambientes muito bem retratados e um estilo muito primoroso – ingredientes mais do que suculentos para que recomende vivamente a leitura de Os olhos de Tirésias.

(Uma pequena nota – escrevi quase todo este texto ao mesmo tempo que ia sofrendo com o jogo Portugal – Marrocos. Por isso, se o resultado final – como ficou o texto, quero dizer – ficou aquém das expetativas, perdoem-me! Lembrem-se que é uma obra mesmo muito boa!)

NOTA – 09/10

Sinopse

A descoberta de um retrato daquele avô cuja história a família sempre encobriu – Mateus Mateus, o gigante de olhar estranho que partiu, no contingente português, para a Flandres durante a Primeira Guerra Mundial – é o pretexto que a narradora encontra para, simultaneamente, escrever um romance e se afastar de um casamento que parece condenado ao fracasso. 

in O sabor dos meus livros

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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