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Os corpos cadentes

A distância e a abstinência
físicas e forçadas
a geografia e a ausência
inelectuáveis e bastardas
empurram-me para outros mundos
outros sundos, outros corpos
improvisados e impostos.
Impostos? Mas o impostor sou eu!

Faço sexo mas não fodo
copulo mas não faço amor
juro, meu amor
nunca olhos nos olhos
fecho-os e o peito também
nunca os meus dedos nos rostos
nunca as minhas mãos
como pelo teu corpo
nunca beijo como te mordo a ti
nunca pego como te agarro a ti
faço sexo de costas
faço como se fizesse
é fazer de conta
é foder de conta
é acto desabitado e desalmado
são duas solidões querendo anular-se
mas que no fosso das vontades
no sulco das esvaídas vaidades
e do tesão artificial e emprestado
só aumenta o vazio desolador dos abraços
que quanto mais tentam ajustar-se
numa geometria aérea tragicómica
mais desconchavados e desarticulados.

Por isso, entendes, meu amor
estes são meros corpos
costas, margens onde me encosto
mas não repouso
não atraco, nem deito âncora aqui
só tu és a minha angra de abrigo
a minha enseada pacífica
o meu mar da tranquilidade.

Estes são meros corpos
carcaças insossas, invólucros vácuos
falam, eu respondo
beijam, eu devolvo
despem-me mas só fico nu contigo
fecho sim, fecho os olhos
e tranco o coração quando me tocam
entro, mas não entram em mim
a vontade não existe
a erecção é mecânica
a gravidade ajuda
são intercursos, cedências, intercadências
que não prestam nem servem para nada
porque não é foda não é tesão
muito menos amor
porque eu só te fodo a ti
porque eu só te amo a ti
porque só a ti eu amo foder
e só contigo foder eu amo.

Então que faço, meu amor
que posso fazer então
como faço para circunscrever
este fogo exaltado e doido
que lavra furioso e impetuoso
feroz, violento, assanhado
a queimada rasa do meu coração
como o forço a calar-se e extinguir
as labaredas ensurdecedoras
deste ruidoso incêndio
que me consome por dentro
este tesão de ti a toda a hora
e de ti a toda a hora este tesão?

Devo repudiar a liberdade condicional
que me outorgaste num conclave insensato
que mais ninguém entende senão nós
esse decreto mútuo e consentido
– mesmo se não tem sentido nenhum
senão o dos sentidos primários –
devo rejeitar a licença de coitar
o direito de pernada
a permissão de ter serventia carnal
com outra carne que não a tua?

E eu, que quando vou para entrar
me deixo comover pelo teu acto
incomensurável de altruísmo
– acto de amor puro e absoluto
porque é deixar ir quando se quer reter
é libertar quem se quer deter
acto que o meu cérebro frouxo
e o meu coração humano
só conseguem entender
porque sei quem deveras és
e do que és capaz quando amas! –,
e assim, por vezes, sabes, confesso
o sangue não quer, as veias vão-se
o falo não se ergue nem se esperança
a turgescência da eficiência não vem
nem a rigidez e a pujança para a lavrança
e ficamos ali a olhar um para o outro
e ninguém vai nem se vem.

– É a primeira vez que isto me acontece!
E aí elas esmorecem, não pelo trato adiado
nem pelo amor que eu não dou
mas porque sabem (algumas sabem!)
que o meu coração e o meu corpo
só te pertencem a ti
e que nem podia não ser assim.

E no fim, o que resta de mim?
Os músculos distensos, a ocitocina aliviada,
o escroto e os orquídeos bamboleantes
o cremáster sem míster, a verga babada
e lassa, os colhões arfantes?

Mas na boca o saibo fugaz de lábios forasteiros
no corpo que cedeu mas não guardou nenhum cheiro
o travo amargo, no âmago a inanidade
e o espectro da vacuidade
e no coração o sentimento da perfídia.
Valeu a pena ou a alma ficou mais pequena?

JLC21102020

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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