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Orçamento de Estado e comunidades portuguesas: quatro “pecados mortais”

O momento de discussão e debate do Orçamento de Estado permite avaliar, de forma concreta, a ação do Governo nas diferentes áreas de governação. É, pois, também o momento de olhar para os números da Proposta de Lei e descortinar as linhas orientadoras e os meios financeiros alocados à área das comunidades portuguesas.

Se fizermos o exercício de confrontar a proposta de orçamento de estado no que se refere às comunidades e os anúncios que regularmente o executivo deixa sair para a opinião pública, verificamos que a proposta agora apresentada encerra em si mesma, como diz o povo, quatro pecados mortais.

Desde logo, a questão da rede consular e do serviço que é prestado aos portugueses que residem no estrangeiro. Apesar das sucessivas promessas de investimento na rede diplomática e consular, a realidade que conhecíamos no período de pré-pandemia, era de uma situação de quase rutura de muitos postos consulares e com os efeitos da pandemia, essa situação agravou-se de forma muito considerável com claros prejuízos para a qualidade e capacidade de atendimento dos serviços consulares.

Esta proposta de orçamento de Estado repete o mesmo tipo de anúncios, mas infelizmente a verba inscrita na proposta de lei prevê uma significativa redução das verbas para o pessoal do quadro dos serviços externos, já extremamente carenciado, na ordem dos 3.4 milhões de euros.

Assim, aquela que devia ser a prioridade das prioridades, face a estes números, é facilmente percetível que não tem correspondência na realidade deste orçamento porque num momento em que devia haver um claro investimento face às dificuldades reais por que passam as nossas estruturas consulares o que verificamos é uma diminuição de verbas para as mesmas.

Depois, temos a questão do ensino da língua portuguesa no estrangeiro que também ele tem merecido um conjunto alargado de anúncios, mas que na realidade acaba também por não ser uma clara prioridade deste orçamento dado que a verba disponível para o Instituto Camões tem uma redução, em relação ao orçamento anterior, superior a 13%. Deste modo, verificamos que também esta área, fulcral para as comunidades portuguesas, não parece ser uma prioridade para o Governo.

O terceiro “pecado mortal” tem a ver com a rede associativa portuguesa no Mundo que tem um papel fundamental no enquadramento das nossas comunidades, na divulgação da língua e cultura e que, a vários níveis, potencia a afirmação de Portugal no plano global. O surto pandémico trouxe consequências bastante negativas para este setor e são muitas as associações portuguesas no estrangeiro que passam hoje por enormes dificuldades e as perspetivas quanto ao futuro são muito negativas.

Tive oportunidade, várias vezes, de apelar ao Governo, para que fosse lançado um programa extraordinário de apoio às associações portuguesas no estrangeiro no sentido de contribuir, de alguma forma, para a superação desta situação difícil que conhecem. Infelizmente, o Governo não foi sensível a este apelo e o orçamento de estado para 2021 vem apenas confirmá-lo.

Com efeito, não há qualquer plano de apoio excecional, existindo apenas um aumento de cerca de 150 mil euros na área dos apoios ao associativismo e outras entidades, mas que, a título de exemplo, é inferior à verba existente em 2015 quando estávamos bem longe da situação que hoje conhecemos. Acresce, que o regulamento de apoios em vigor, que já era em muitos casos, difícil de aplicar – talvez a razão pela qual apenas 43 associações foram contempladas no ano transato – está desfasado da realidade da atividade das associações em tempos de pandemia e, tal como o defendi, devia ser alterado para permitir uma maior agilização de procedimentos.

Se há um tema que regularmente aparece associado às comunidades portuguesas é a questão da economia, da internacionalização e da rede de empresários da diáspora. Esta área é também ela definida, muitas vezes, como relevante para Portugal, o que, como é evidente, não posso deixar de concordar. No entanto, basta uma breve leitura deste orçamento de Estado para perceber que aquele que é o maior instrumento para a aplicação destas políticas, a AICEP, tem um corte orçamental de quase 5%. Este é o quarto exemplo, é o quarto pecado mortal que demonstra que entre os anúncios e a realidade orçamental vai uma grande distância.

Finalmente, é importante também referir que dois dos instrumentos que o atual Governo entendeu divulgar como estruturantes quer, para o ensino da língua portuguesa no estrangeiro através da plataforma Portugal mais Perto, ou para o atendimento consular através do tão propalado Espaço do Cidadão, quase desaparecem da proposta de lei para o orçamento de Estado de 2021.

Assinalei quatro “pecados mortais” que estão associados às quatro áreas que o Governo entende como decisivas no plano das comunidades portuguesas. Esperava-se que este orçamento de Estado permitisse, não só dar resposta às consequências da crise pandémica nos diversos setores das comunidades portuguesas,  sobretudo porque, o Mundo das comunidades portuguesas, tal como no passado, vai ter um papel decisivo para Portugal para ultrapassar o momento difícil que vivemos e que se perspetiva para os próximos anos. Ora isso não acontece.

Em suma, o orçamento de Estado para 2021, para além destes “pecados” que elenquei, é a demonstração inequívoca que não existe correspondência entre o discurso e a atuação política deste Governo e que, não dando a atenção que se exigia às comunidades portuguesas, fere claramente o interesse nacional.

 

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