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O vestido amarelo-canário

(…)

Por vezes sinto que o que me falta é tempo. A areia escorre descontínua e inefável como uma guilhotina na ampulheta. Estou entre a navalha e a vida. O meu dia e a minha noite deviam ter 48 horas. Cada. E talvez assim eu tivesse tempo de fazer tudo o que o corpo me exige e a mente me pede. Tempo para ser tudo e todos os que me sinto e minto.

Resumo dos últimos dois dias. Na segunda-feira, a primeira manhã de trabalho depois das férias corria mais fresca que eu a supusera. Talvez o perfume adocicado que a Cláudia deixava no ar não fosse alheio à minha mudança de humor. Não podia crer! Eu, bem disposto, num primeiro dia de trabalho? Hum, claramente surrealista!

O fim da manhã corria-me de feição. A Claudinha penetrou no meu escritório, sobrevoando quase sobrenaturalmente a alcatifa, queixando-se, com um beicinho que dava vontade de mordiscar, que não tinha recebido o meu courriel com os anexos que eu lhe enviara. Enquanto eu consultava na minha mailbox o item do sent, ela chegou-se a mim e debruçou-se sobre o meu ecrã para verificar comigo.

Posso?

Pode, claro! Está a ver, enviei-lhe às 10h50!”, disse-lhe num tom assertivo.

Eu ia a acrescentar qualquer coisa, mas passou-se-me perante a visão uma plongée privilegiada sobre o seu decote sem sutiã e os seus seios tenros e maravilhosos. Fiquei literalmente em estado hipnótico.

– Por acaso, incomodo?

Na soleira da porta, de braços cruzados, e de sobreancelha circunflexa, como só ela o sabe fazer, a Maria Helena observava-nos em tailleur bordeaux e braços cruzados. A Claudinha ajustou a blusa, corou e saiu pedindo licença.

Volto mais tarde, Sr. Weytjens!”

Eu arreganhei a tacha. Inopinada, mas agradável visita.

Ontem disse-te que passava por cá hoje…-, lançou-me a Helena enquanto se sentava na poltrona e cruzava a perna, demonstrando que estava quase como em casa.

Mas talvez não te lembres, no estado em que te deixei… – torceu o nariz.
– Ah, pois é, acho que me lembro de qualquer coisa…, menti.
– Vim cá para almoçarmos juntos, mas se estiveres demasiado ocupado, eu percebo… – e dizendo isto, olhou de soslaio para trás, em direcção à porta, por onde a Claudinha escapulira.

Tenho sempre tempo para ti, minha querida, vamos lá! – e levei-a dali para fora. Quando cruzámos a Claudinha, muito bem comportada sentada à sua secretária, ela nem levantou os olhos.

Até logo! – lancei, mas não ouvi resposta.

Coitada, assustaste-me a miúda! – disse eu em tom reprovador e baixinho à Helena.

Oh, coitadinha, vê lá.

Fomos ao restaurante grego, não muito longe do meu emprego. Durante o almoço, a Helena não me deixou comer sossegado. Resolveu passar-me raspanete atrás de raspanete. O que teria sido engraçado se tivesse conduzido a um final feliz. Mas não houve. Primeiro, porque me acusou de lhe ter lhe estragado o domingo.

Se for sempre assim, da próxima pedes à tua amiga Mariana para te ir buscar! Ela anda mortinha para se deixar levar nas tuas cantigas…

Fogo, essa fera chalada?…

Diz-me, meu querido, de onde é que caiu de páraquedas essa tua nova secretária? Tem quantos aninhos a moça?

Não è secretária, é estagiária, vem substituir a Conceição, mas è só por duas semanas. A idade, hum…no currículo diz dezoito!

Dezoito anos, Gaspar! Agora vais buscá-las ao berço? Não tens vergonha nenhuma! Não magoes a pequena, vê lá, ela só vai lá estar duas semanas!

Então, por isso mesmo, duas semanas não dá para nada, não te preocupes! Deixo-a imaculada e pura como apareceu! Mas que frete, Helena, eu não preciso de me justificar a ti, pois não?”

Amuou. Falámos por circunstância de coisas banais, mas o ambiente já estava minado. Mas não contra-atacou como eu estava à espera nem referiu as minhas tentativas frustradas de me declarar a ela no domingo. Ou porque as atribuia ao álcool ou porque não queria simplesmente tocar no assunto. Mas a interrogar-me daquela maneira musculosa parecia que queria aproveitar o facto de me apanhar sóbrio para certificar-se da veracidade dos meus delírios etílicos. In vino veritas, certo? Pensei em abrir o jogo, mas já era tarde demais. Ela voltou a falar na Claudinha e eu voltei a fazer merda.

Eu bem vi como estavas a comer a miúda com os olhos! Gaspar, tu…. – e apontou-me acusadores os dedos em que estava pendurado um cigarro nervoso.

E tu, não tinhas parado de fumar? E o Marco, voltou a usar-te como bombeira de serviço? – ataquei.

Almoço abortado, nem café, nem sobremesa. Num gesto de impaciência esmagou no cinzeiro o terceiro cigarro fumado pela metade e despediu-se de maneira fria.

Tu lá sabes o que andas a fazer. Tou farta disto. Já não te aturo mais! – levantou-se de repente e foi-se do restaurante, sem se despedir, nem acenar. Foda-se!

Quando a Claudinha voltou a ousar aparecer de tarde no meu escritório, disse-lhe para desculpar aquela minha amiga um bocado chata e para ela não ligar.

Ah, desculpe! Pensei que fosse a sua esposa!” – disse a miúda na sua inocência cristã. Não contive uma gargalhada hilariante.

Não rapariga, não sou casado! Vê algum dedo enforcado? -, estendi-lhe a mão nua.

É só uma amiga, só uma amiga! – disse-lhe ainda a rir.

Já que os planos com a Maria Helena tinham saído furados, mais uma vez, aproveitei para relançar a mocinha. Disse-lhe umas graças para a pôr à vontade, ditei umas cartas comerciais, pedi-lhe para adiantar umas papeladas administrativas, fui a duas reuniões, e quando voltei ela já tinha recuperado a boa disposição.

No fim do dia, convidei-a para continuarmos a trabalhar nalguns dossiers pendentes durante um jantar. Muito atrapalhada, perguntou timidamente se não podia ficar para o outro dia, já que nessa noite (segunda-feira) não podia mesmo.

No dia seguinte veio trabalhar vestida à canário. Muito bonitinha de amarelinho, sim senhora! E ao almoço levei-a a uma pizaria, do outro lado da cidade. A timidez que aparentava no escritório dissolveu-se por completo no primeiro copo de Chianti. Falava pelos cotovelos, parecia que lhe tinham dado corda. Convidei-a para um gelado e um passeio na mata de Kockelscheuer. Gosto do seu riso de criança e da sua jovialidade naive. O sol áscio dourava num brilho intenso as pequenas lagoas, penetrava teimoso as copas frondosas e salpicava de momentos de luz o trilho de gravilha por onde nos aventurávamos. Ela ia falando da sua família, da universidade para onde quer ir estudar, dos planos para o futuro, quer ser media operator, whatever that means…

Numa curva do caminho, pus-me à sua frente, peguei-lhe delicadamente na mão, acerquei-me dela, acaricei-lhe os braços, encostei-a a uma árvore providencial e tentei um beijo. Notei, comovido, que os seus olhos tremiam, como o seu corpo nas minhas mãos. Os seus lábios demoraram a reagir, mas acolheram-me. Sob as suas hesitações e apreensões, levei-a para o meio dos fetos, para nos afastarmos dos joggers que por ali pululam como chatos. Depressa encontrámos um canto sossegado ao abrigo dos olhares. Sem me conseguir conter mais, agarrei-a pela cintura fina, atraí-a a mim, voltei a beijá-la mais aplicadamente desta vez, corri com os lábios o seu pescoço sensível, a sua nuca perfeita e mergulhei finalmente o meu rosto ofegante no seu peito hospitaleiro.

De um brusco e com furor, levantei-lhe o vestido largo e arredondado.

Não, aqui não… –, esbracejou um pouco como se fosse levantar voo, o passarinho amedrontado.

Quis ainda resistir, colocou-me as mãos nos punhos. Libertei-me, agarrei-lhe as nádegas frias, pressionei o meu corpo contra o seu, e os meus dedos encontraram-lhe o tufo macio do sexo. Gritou baixinho, surpreendida. Abafei o som com um beijo. Rendeu-se. Retirei-lhe as alças, que deslizaram pelos ombros abaixo. Dois seios opulentos de mamilos orgulhosos e rijos soltaram-se, maiores ainda do que eu esperara, e que a minha boca sedenta devorou, enquanto ela arfava e me despenteava completamente, apesar do gel.

Quando a ajoelhei nos cardos também não se fez rogada. Libertou o cabelo longo e liso, num amplo gesto quase teatral, como numa publicidade da L’Oréal, e ofereceu-me os favores da sua boca. Mostrou-me garbosamente que, mais uma vez, saberia executar exactamente o que eu lhe pedia. Confesso que fiquei agradavelmente surpreendido. Considerara-a mais noviça! Enganara-me, pelos vistos. Era exímia. Quando a voltei a encostar contra a árvore, os óculos saltaram-lhe do rosto e voaram até um tojo, onde ficaram suspensos. Semi-nua, completamente entregue, a cabeça recostada sobre o tronco rugoso em sinal de entrega total, levantei-lhe uma coxa, que ela enrolou em volta das minhas nádegas, e penetrei-a com força, enquanto ela respirava ruidosamente em sons roucos e entrecortados abraçada a mim.

O nosso passeio silvestre e bucólico deixou-nos algumas marcas nas roupas e na pele. Malditas urtigas. Voltámos ao escritório passavam das quatro. À noite, copiosamente voltámos à carga em minha casa. Ela adorou o meu apartamento e a minha cama king size.

Ó filha, és sempre bem-vinda!

Hoje, ao acordar, a minha cama parecia que tinha sido devastada por um tufão. A Claudinha escapou-se de minha casa por volta das sete da manhã. Deixou-me torradas e café. Um verdadeiro amor! Mas o mais incrível é que, depois de chegarmos ao escritório a horas diferentes obviamente, para não dar nas vistas, a Cláudinha apresentou-se de chignon perfeito, calças pretas de listas brancas discretas, à Marlene Dietrich, camisa branca, óculos aprumados no nariz, num sorriso profissional, parca em palavras. Sr. Weytjens para aqui, Sr Weytjens para ali. Gira o talão, vai e vem, sem uma palavra a mais nem um sorriso revelador. No primeiro instante cheguei a pensar que ela estava chateada comigo, mas depois percebi. Só voltei a ver a mulher com quem tinha passado a noite, à hora do almoço. Eu tinha-a avisado que era melhor disfarçar no escritório, para evitar conversas, mas ela merece um Óscar. Esta menina, tem que se lhe diga! Vai dar cabo de mim em menos de duas semanas!

(…)

José Luís Correia 2005-2006

(excerto do romance erótico ‘Os Cadernos de Gaspar’)

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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